quinta-feira, 31 de julho de 2014

AS ASAS DO PENSAMENTO

Quanto mais os anos passam mais as asas do pensamento voam através do tempo pousando nos mais variados acontecimentos de uma vida já com oitenta e quatro anos. Uns alegres, outros tristes; uns que me encheram de felicidade, outros de profundo desgosto; uns importantes, outros insignificantes mas todos presentes com uma actualidade e uma força que me enche de uma saudade tão grande, tão grande, que até doe. Diariamente, o pensamento voa sem descanso recordando toda uma vida que, apesar de ter tido momentos muito difíceis, considero não ter podido ser melhor pois deu-me uma companheira que dedicou toda a sua vida a tornar-me feliz a mim e aos nossos três filhos que, cada um à sua maneira, me têm apoiado com carinho e ainda porque tenho seis netos e um bisneto que, uns mais outros menos, me têm dedicado muita amizade. Além disso, um feitio irrequieto e decerto modo empreendedor, levou-me a dedicar-me às mais variadas coisas do desporto à cultura, passando pela política, a tudo me entregando sempre com um entusiasmo total. Mas o desejo de abarcar o máximo de coisas possíveis levava a que, da mesma forma que me dedicava totalmente a uma coisa, depressa a largava para caminhar para outra. Minha Mãe dizia, e minha mulher depois repetia, que apesar do entusiasmo que punha em tudo aquilo que fazia rapidamente me fartava e as abandonava. Não compreendiam que eu não me cansava nem deixava de pensar em tudo aquilo que fizera com tanto entusiasmo, mas a verdade é que sentia necessidade de partir para outra experiência. A vida era curta para tudo o que eu pretendia conhecer e viver. No desporto pratiquei andebol, tiro, esgrima, vela, equitação e automobilismo, todos com entusiasmo e gosto mas sem a preocupação de me tornar muito bom porque isso obrigaria a dedicação exclusiva a alguma das modalidades. Fazia-o por prazer e não para me escravizar. Assim, fui praticante, dirigente e organizador. Ali deixei alguma coisa de mim, nunca pedi nada pelo pouco que fiz mas tive a recompensa de criar amizades e, ainda hoje, recebo provas de afecto de pessoas, algumas crianças na altura, mas que me tratam com uma afeição que muito me sensibiliza. Gostava do desporto, mas como poderia eu dar-lhe muita atenção se tinha uma paixão maior: a CULTURA Todo o tempo livre que o emprego me deixava ou estava entregue à leitura de um bom livro, ou estava a assistir à projecção de um filme ou de uma peça de teatro, ou de um concerto, ou de uma ópera, ou de um ballet, ou a ver uma exposição. Corria de um lado para o outro para não perder nada, sempre com o mesmo entusiasmo, talvez até com um certo exagero. Exagero tal que, uma vez, num só dia vi cinco filmes em cinco cinemas diferentes. Comecei no Cinema Império com uma sessão que faziam nas manhãs de domingo, durante a tarde assisti a duas matinées, à noite a mais uma projecção e terminei na sessão da meia-noite do S. Luís. No Coro do Maestro Fernando Lopes Graça cantei e as exibições que fazíamos eram acompanhadas de uma parte de poesia ditas por duas grandes declamadoras: Manuela Porto ou Maria Barroso.Mais tarde estes espectáculos passaram a ter duas partes. Uma de música e a outra de teatro com o grupo criado por Manuela Porto que deu a conhecer Tchekhov, Pirandelo e Gil Vicente a populações que, até ali, pouco ou nenhum teatro tinham visto. A minha paixão pelo teatro levou-me a desejar entrar para o grupo de Manuela Porto e tinha a sua promessa de participar na próxima peça que pusesse em cena. Porém, isso nunca veio a suceder porque Manuela Porto suicidou-se e o grupo só realizou mais um espectáculo em sua homenagem com uma das suas peças mais bem conseguidas: “O Aniversário do Banco” de Tchekhov. Como homenagem aquela grande Senhora do Teatro, quis participar simbolicamente fazendo com o meu amigo, e já na altura grande actor, Rogério Paulo dois membros da delegação que entravam mudos e saiam calados. No teatro assistia a todas as peças que podia, quer no teatro profissional quer no amador; criei três grupos de teatro, organizei conferências, encenei, representei e fiz teatro radiofónico. Ainda me restou tempo para participar nas direcções de algumas colectividades (Cooperativa dos Trabalhadores de Portugal, Federação Portuguesa de Campismo, Clube de Futebol Os Belenenses, Sporting Clube do Huambo e ATCA – Automóvel e Turing Clube de Angola), sem desprezar uma actividade política bastante activa que originou que eu festejasse o meu 19º. aniversário nos “curros” do Aljube e, após 25 de Abril uma longa participação autárquica e sindical. Este é o resumo de uma vida preenchida com mil e uma coisas, sem nunca desprezar o acompanhamento da mulher e dos filhos. Ao longo dela tive oportunidade de conviver com actores, escritores e desportistas dos quais sempre recebi atenções e com alguns dos quais criei laços de amizade. É sobre isto tudo, sobre todos os acontecimentos, sobre todos os pormenores por mais pequenos que tivessem sido que o pensamento voa, me recorda e deixa aquela saudade tão grande que, como dizia no princípio, chega a doer. Foi para registar tudo isto que criei o meu blogue “Voando no Tempo” onde diariamente iria registando tudo que ia acontecendo e tudo de que me ia lembrando. Infelizmente, tenho de confessar que, uma coisa terrível que se chama “preguicite”, aparece-me sempre a contrariar e a impedir de relatar tudo aquilo que desejava. Vou fazer mais uma tentativa de vir aqui com frequência e tentar vence-la. Há tanta coisa que desejo registar e tantas que pensei faze-lo na altura em que ocorreram e que perderam a oportunidade. A vontade de registar tudo é grande, mas não prometo nada.