quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

FOI ONTEM … COMO SE FOSSE HOJE

Estava um dia lindo de sol, bem diferente do de hoje que está frio e de chuva. Mas podia estar o mais terrível dia de tempestade que, mesmo assim, seria o dia mais radiante em que o sol mais brilhava. Foi há sessenta e quatro anos que nos encontrámos, meu amor, e não mais nos separámos. Que dia maravilhoso que recordo como se o tempo não tivesse passado. Durante cinquenta e sete anos, vivemos uma vida de sonho em que me deste tudo que me podias dar para encher a minha existência de felicidade. Infelizmente, tudo que é bom tem fim e há sete anos abalaste deixando-me apenas com esta saudade tão grande, tão grande e que tanto me faz sofrer. Mais um ano passou e, desterrado como estou, já nem te posso levar aquele ramo de rosas vermelhas que todos os anos punha na nossa campa como se isso nos fizesse estar mais próximo. ONTEM O DIA ESTAVA LINDO … HOJE ESTÁ FRIO E O CÉU CHORA.

sábado, 24 de setembro de 2016

VOANDO NO MUNDO DO TEATRO VI

No século XV, companhias itinerantes de estrutura familiar, compostas por cerca de doze pessoas, viajam pelas cidades de Itália montando palcos temporários nas suas ruas ou praças principais para aí representarem uma forma de teatro popular. A precariedade dos meios de transporte determinava a simplicidade e o mínimo de adereços e cenários pelo que o actor surge como o elemento mais importante neste tipo de peças, levando a teatralidade ao mais elevado expoente. As encenações baseavam-se num roteiro muito simples de esquemas de amor, velhice, adultério e ciúme em que os actores, cada um especializado numa personagem típica, improvisavam diálogos irónicos e humorístico em que ridicularizavam nobres, prelados, militares, banqueiros e negociantes que, acompanhados dos recursos à música, à dança, entretinham um vasto e fiel público. Tal como na Inglaterra daquela época (Shakespeare), por proibição legal, vestiam os homens com roupas de mulher e perucas, também estas companhias, em Itália, muitas vezes o faziam mas com propósitos humorísticos. Assim surge a “commedia dell’arte” que tão importante papel veio a desempenhar na história do teatro. Desde o início, com as suas personagens características do Arlequim, do Briguela, do Pantalão, da Colombina, do Doutor e de tantas outras, atraiu também as classes sociais mais elevadas conseguindo levar as suas peças para o palácio fascinando audiências nobres e, com o apoio obtido, atravessaram fronteiras e viajaram por toda a Europa deixando a sua marca em França, Espanha, Inglaterra, entre outros. Porém, no século XVIII, a “commedia dell’arte” entra em decadência e, apesar de alguns autores tentarem a recuperação com textos baseados naquele estilo de teatro, não tardou a desaparecer a espontaneidade e improvisação que a caracterizavam. Em meados do século XVIII, Carlo Goldoni, dramaturgo veneziano, revitaliza as fórmulas da "commedia dell’arte" com textos escritos e mais realistas, tornando as suas peças conhecidas em todo o mundo. Também Bem Jonson em Inglaterra, Molière e Marivaux em França, e Carlo Gozzi em Itália se vão inspirar nas personagens típicas da "commedia dell’arte". Foi em homenagem a esse grande período da história do teatro e a esse grande dramaturgo que escolhemos, para estreia do Proscénium, a peça “Arlequim Servidor de Dois Amos” de Carlo Goldoni. Foi uma escolha um pouco arrojada dado o desconhecimento total que todos nós tínhamos de ballet e mímica tão necessários para a interpretação destas personagens. Mas fruto de muito trabalho, entusiasmo e dedicação, adicionados aos profundos ensinamentos de Mestre Pedro Lemos, conseguimos um espectáculo muito rico e representado com muita dignidade. Para cenário que permitisse as constantes mudanças de cena optámos por uma solução engenhosa e bem ao espírito da “commedia dell’arte”: quatro prismas triangulares assentes em rodas, dois de cada lado do palco e três cenários de papel para fundo. Em cada mudança de cena, os actores que não estavam na altura a representar, entravam, com passos de ballet, rodavam os prismas e alteravam o pano de fundo. No elenco deste espectáculo, a mim coube-me o Briguela, personagem agressiva, dissimulada e egoísta própria de um trapaceiro de pouca moral, que tentei fazer o melhor que podia e sabia. O espectáculo correu bastante bem apesar do percalço que teve motivado pela triste atitude de Luís de Lima, conforme já relatámos anteriormente. Contudo, por aquele motivo, nunca mais foi representada por os actores que a fizeram confundirem as duas traduções. Durante muito tempo brincávamos com uma adivinha que criámos. Dizíamos uma frase da peça e perguntávamos a que tradução se referia: do Pedro Lemos ou do Luís de Lima. Raramente se acertava. Só outros actores que não tivessem passado por aquilo que passámos, nos últimos ensaios, a poderiam representar. No entanto, não deixou de ser um momento de teatro de que todos que nele participaram muito se podem orgulhar.

LIBERDADE, LIBERDADE

Hoje, na praia, tive a reler “Liberdade, Liberdade” e a recordar quando, em Nova Lisboa, comecei os ensaios para levar este texto à cena. Realizei vários ensaios, contactei o seu autor para lhe dar conhecimento da minha intenção, mas, devido à degradação que se deu naquela cidade, não chegou a ser estreada. Apesar de ter gostado de a ver em cena, foi bom que tal não se tivesse verificado pois os jovens, que com tanto entusiasmo tinham pensado representá-la, podiam passar um mau bocado com os ocupantes da cidade, o que jamais me perdoaria. Entusiasmado com a euforia que todos estávamos vivendo com a queda do fascismo, foi um irreflectido disparate não ter previsto o que se viria a passar e as consequências que daí adviriam. Felizmente nada sucedeu e, assim, posso recordar a alegria e o entusiasmo do Ganho, do Corte Real e da minha filha com que se entregavam aos ensaios pondo de pé este belo texto. Recordo, igualmente, Luís Francisco Rebelo e a amizade que sempre demonstrou quando em resposta à carta que lhe havia enviado me respondeu desejando os maiores êxitos para a peça e que, quanto a direitos de autor não levava nada se as entradas fossem gratuitas, mas, se fossem a pagar, levava os pesados custos de um escudo. É com muita saudade que recordo todos os momentos e todos os amigos que conquistei ao longo de uma vida em que tentei ser coerente com os meus ideais e útil à sociedade que pretendi fosse justa e humana. Foi um esforço inglório e, certamente, acompanhado de muitos erros mas que permite que esteja bem com a minha consciência, só lamentando não ter sabido fazer mais e melhor. E porque falei no Ganho recordei-me do que, aqui há tempos num almoço de convívio, ao apresentar-me a uma pessoa dizia que eu “no tempo em que não existia liberdade, tinha ensinado aos meus filhos e aos amigos deles o que era a liberdade”. Isto foi muito gratificante para mim e fez-me acreditar que tinha valido a pena viver a vida que vivi.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

VOANDO NO MUNDO DO TEATRO V

Em interpretação, o actor não pode deixar-se dominar pela personagem. Durante o estudo do papel, esta deve ser encarnada uma vez pelo actor que, a partir dali, a deve representar imitando aquilo que sentiu, isto é, dominando a personagem sem que nunca esta o domine o que, por vezes, sucede. No “Canto da Cotovia” de Jean Anouilh, na cena em que o anjo aparece a Joana d'Arc, a grande actriz Eunice Muñoz deixava-se dominar pela personagem e tinha uma momentânea falha de memória. No “Breve Sumário da História de Deus”, eu protagonizava Jesus Cristo, um papel de que muito gostei e penso que o desempenhei bastante bem, embora me tivesse sucedido exactamente o mesmo todas as vezes, com excepção da última, em que fiz esta personagem. Sucedeu que, apenas no ensaio geral, fiz a entrada em cena com iluminação e som e foi um momento tão lindo que me surpreendeu e permitiu que a personagem me dominasse o originasse que, em determinado momento, tivesse uma “branca” que, felizmente, soube dominar sem que ninguém reparasse. Dos vários elogios que recebi teve especial importância o de minha mulher que considerou que “ia muito bem”. Este foi, de facto, o mais importante porque nas várias personagens que interpretei e que mereceram elogios foram sempre criticados por ela que me considerava um “canastrão”. Não sei se assim me considerava ou se o fazia por não gostar que fizesse teatro e, assim, me desimaginar. De todos os elogios, há um que, ainda hoje passado tantos anos, me faz sorrir. O responsável pelo Anahory-Guarda Roupa era uma pessoa um pouco exagerada e encontrava-se no palco do Teatro D. Maria II, quando da exibição da peça, pois tinha acompanhado o vestuário. Terminado o espectáculo e quando saí do palco, correu para mim, de braços abertos, dizendo: “Ai Senhor Lacerda, o senhor foi maravilhoso e eu tive de fazer toda a força possível para não irromper pelo palco e ajoelhar a seus pés”. Desatámos todos a rir à gargalhada. Na última vez que representei este auto, no final, Pedro Lemos elogiou-nos dizendo que nenhum tinha sido inferior aos actores do Teatro Nacional que o haviam feito e um de nós tinha sido mesmo superior. Não disse quem era, mas D. Meniche Lopes, sua esposa, disse-me que ele se referia a mim. Foi um papel que, apesar da sua pouca duração, me deu muito estudo e que, não sei porquê, me deixava bastante fatigado depois de o interpretar. Mas adorei fazê-lo. Com que saudade eu recordo esses tempos e aquele maravilhoso casal e grandes amigos que eram Meniche Lopes e Pedo Lemos.

terça-feira, 13 de setembro de 2016

ERA UM HOMEM BOM. A UNITA MATOU-O

Eles virão e eu morrerei Sem lhes pedir socorro E sem lhes perguntar Porque maltratam. Eu sei porque é que morro Eles é que não sabem Porque matam. António Gedeão Um dia estava a trabalhar no meu gabinete no recinto da FINOL, quando vi aproximar-se o meu amigo Fernando Mira Godinho acompanhado de um indivíduo que apenas conhecera de vista numa reunião, já não me lembro onde nem a propósito de quê. Tinha simpatizado com ele pela forma violenta mas ao mesmo tempo cheia de beleza com que atacara os autores do derrube desmedido de árvores de madeira preciosa que se estava verificando em Angola. Embora já não me recorde bem da sua intervenção ele dizia, mais ou menos, “que não compreendia o prazer que sentiam em desnudar a floresta com o mesmo sadismo com que o faziam às mulheres”. O Fernando apresentou-me. Era o médico David Bernardino, irmão da Morena sua primeira mulher e mãe dos seus dois filhos, que estava construindo um jango para posto de saúde da população mais desfavorecida e vinha ver se eu tinha alguns materiais, excedentes da feira, que lhe pudesse dar. Levei-os ao armazém para escolher o que achasse útil, sem sequer atender se ainda eram necessários para o certame pois achei a ideia interessantíssima e digna de todo o apoio. Daí nasceu uma grande amizade entre nós que se foi solidificando à medida que o fui conhecendo melhor. Com este jango, para que contribuí correspondendo ao pedido que me fizera, nasce no bairro de Cacilhas, um dos mais populosos do Huambo, o primeiro centro de saúde de Angola. Com ele, o David pretendia demonstrar que era possível com as condições locais satisfazer os cuidados básicos de saúde. Uma das medidas, era a realização de sessões de esclarecimento sobre nutrição, problema que muito o preocupava e, para captar as pessoas, realizava sessões de cinema para as quais pediu a minha colaboração. Como, na Finol, tinha uma máquina de projectar e alguns filmes, o David pedia-me que desse umas sessões no jango. Reunia as pessoas e falava-lhes de higiene e nutrição e quando elas começavam a estar desatentas saía uma projecção de filmes, continuando depois a sua palestra até nova projecção e, assim, se ia mantendo a atenção das pessoas. Preocupado com os indícios de subnutrição verificados provocados por um baixo poder económico aliado à cópia dos hábitos alimentares da população branca, o David elucidava-os para a procura de uma alimentação tradicional mais fácil de conseguir e mais rica do que aquela que consumiam. Daí a falta de compreensão e de risota de alguns colegas por ele falar dos valores, equivalentes ao leite, da salalé, ou de aconselhar que procurassem os “sekulos” que lhes poderiam indicar os valores nutritivos de algumas lagartas. Apesar da ironia dos colegas, o David Bernardino era um humano e excelente médico que escolhi, a partir de determinada altura, para mim e para os meus familiares. À medida que o tempo passava a nossa amizade aumentava. Passávamos longos serões, ao som de música clássica, falando da sua Angola que tanto amava, do seu sonho de independência e dizendo poesia. Quando se deu o 25 de Abril rapidamente, em conjunto com o Engº. Marcelino, formámos o MDH – Movimento Democrático do Huambo com o objectivo de mentalizarmos as pessoas para a abertura à democracia, à futura e provável entrada dos movimentos de libertação e convivência entre todos. Este era o verdadeiro objectivo deste movimento ao contrário do que afirmou o escritor Agualusa, na notícia da sua morte, de que se destinava a lançar o MPLA. Qualquer de nós três era apoiante do MPLA por vermos que era o único com quadros capazes de dirigir os destinos de Angola mas não criámos antagonismos contra qualquer dos outros movimentos. De imediato, organizámos um grande comício presidido pelo Professor Henrique de Barros que se encontrava em Nova Lisboa, visitando sua filha. O David não resistiu ao desejo de ir a Lisboa ver e sentir o novo Portugal aonde esteve uma semana. Regressou radiante, não se cansando de contar, com aquela alegria que lhe era peculiar, tudo que vira e mostrando-nos uma tarjeta que a polícia colocava nos carros mal-estacionados solicitando, com toda a delicadeza, que não cometessem infracções. Mas no regresso, no aeroporto de Luanda, havia-se insurgido e mostrado toda a sua indignação ao ouvir os alto-falantes pedirem aos passageiros para se dirigirem aos balcões da DGS, afirmando em voz alta que a Pide já não existia. Quando regressei a Portugal, vinha preocupado porque sabia que o David se encontrava no quartel da tropa portuguesa onde se havia refugiado para não ser morto pela Unita que tomara conta de Nova Lisboa. Passado uns dias soube que ela tinha conseguido chegar a Portugal e corri ao Rossio, onde se juntavam as pessoas vindas de Angola, para o poder ver e abraçar, mas informaram-me que ele já havia regressado à sua Angola. Este Homem, médico, intelectual, lutador desde a primeira hora contra o fascismo e pela independência de Angola, foi docente universitário empenhado em várias acções no campo da investigação científica, director do jornal independente “Jango”, fundador dos cuidados primários de saúde angolanos, nunca abandonou o seu Huambo sempre envolvido no apoio aquela martirizada população. A 4 de Dezembro de 1992, à saída das consultas médicas do seu Centro de Saúde, David Bernardino é cobardemente assassinado pelos homens da Unita. Dias antes, tinham sido igualmente assassinados o Engº. Marcelino e a sua esposa Drª. Miete. Dos fundadores do MDH apenas eu escapara pois atrasaram-se em prender-me. ERA UM HOMEM BOM E GRANDE AMIGO. A UNITA MATOU-O!

VOANDO NO MUNDO DO TEATRO IV

Como dizia no capítulo anterior, o teatro estava definitivamente entranhado na vida do Centro de Aperfeiçoamento Profissional. Havia pessoas interessadas, havia boa vontade por parte da direcção do Centro e havia meios financeiros. Era altura de fazer mais do que a montagem de uma peça para a festa do fim do ano lectivo do Centro. Era altura de fazer alguma coisa que despertasse o gosto pelo teatro, alguma coisa que formasse bons actores, alguma coisa que desse a conhecer boas peças de teatro. Com muito amor e muito entusiasmo, lanço-me à concretização de um projecto ao qual dediquei todas as horas que tinha disponíveis e, assim, nasce o PROSCENIUM. Após algumas reuniões com a direcção do Centro, até conseguir a sua aprovação do projecto e garantia de apoio financeiro para a sua concretização, iniciámos um projecto que deu muitas horas de trabalho, muitas arrelias, momentos de muita alegria e, também, momentos de muita tristeza. Dos vários nomes pensados, optei por alguém que além de excelente actor, tinha grande prática de montar peças e dirigir actores: o director de cena do Teatro Nacional D. Maria II, Pedro Lemos. Acompanhado do Mário Cardoso, outro grande entusiasta da ideia, contactámos Pedro Lemos, no seu camarim, e expusemos-lhe a ideia e que só podíamos pagar o mesmo que ganhavam os professores do Centro. Receávamos que não aceitasse por a compensação monetária o não satisfazer, mas mais do que isso o projecto entusiasmou Pedro Lemos que aceitou e abraçou a ideia com um entusiasmo igual ao nosso. O primeiro passo estava dado mas, pretendíamos que os nossos futuros actores tivessem, além de quem os dirigisse e ensaiasse, conhecimentos de caracterização, ballet, esgrima e expressão corporal. Em suma, um pequeno conservatório. Esta ideia teria de marchar mais lentamente e, portanto, limitámo-nos à caracterização e para isso contactei o caracterizador Aguiar de Oliveira que dirigia a principal empresa fornecedora de cabeleiras e postiços para o cinema e os teatros, que existia na Rua do Ouro e de que já não recordo o nome. Tinha grandes conhecimentos e prática pois, além desta actividade, trabalhava como caracterizador no cinema, na televisão e no Teatro S. Carlos. Com ele aprendemos grande parte dos segredos da caracterização e minha mulher tornou-se tão perfeita que o Aguiar de Oliveira a convidou para sua ajudante, no Teatro de S. Carlos durante a temporada de ópera, oferta que, embora lhe agradasse, não aceitou pois era demasiada agarrada ao marido e aos filhos. Depois de uma audição de todos os interessados em representar, em que cada um preparou e disse um trecho escolhido pelo próprio, Pedro Lemos ficou com uma ideia do que possuía e até onde poderia ir. Eu disse “Os Malefícios de Tabaco” de Tchekhov, o melhor que soube mas, confesso, com grande nervosismo pois estava perante um grande mestre de teatro. Satisfeito com o material humano de que dispunha comunicou-nos que para estreia do grupo iríamos apresentar “Breve Sumário da História de Deus” de Gil Vicente e “Arlequim Servidor de Dois Amos” de Carlo Goldoni. Escolha arrojada que nos deixou um pouco atemorizados face a tanta responsabilidade. O “Breve Sumário” era um clássico que, segundo o crítico Redondo Júnior, só devia ser representado por bons actores com longos anos de experiência. O “Arlequim”, peça, que ficou célebre graças à encenação de Giorgio Strehler para o Piccolo Teatro de Milão em 1947, com enredo típico de Commedia dell’Arte, exigia conhecimentos de ballet que nenhum de nós possuía. Graças a alguns meses de trabalho intenso, à aplicação e entusiasmo de todos e aos muitos ensinamentos de Mestre Pedro Lemos, conseguimos uma representação muito boa que seria um êxito se, com estreia já marcada, não tivesse surgido uma contrariedade inesperada a qual poderia ter destruído completamente o trabalho de tantos meses. O “Arlequim” baseava-se num texto traduzido por Luís de Lima que o encenaram e apresentara no CITAC, em Coímbra. Por isso, contactei aquele actor no Estúdio da bailarina Ana Máscolo, onde viera proferir uma palestra, para lhe expor a ideia, pedir para utilizarmos a sua tradução e saber quanto queria de direitos de autor. Simpatiquíssimo, felicitou-me pela ideia que tínhamos tido e como era a estreia de um novo grupo amador teria imenso gosto em colaborar não levando nada de direitos deixando até, no livro da sua tradução que eu levava, um autógrafo desejando “as maiores felicidades para aquela diabólica personagem”. Pensando que todos são como eu, confio nas pessoas pelo que me limitei a mostrar o meu reconhecimento sem lhe pedir qualquer documento escrito. Passado tempo e já com a peça praticamente em condições de ser levada à cena, encontro, na Feira Popular, o actor Carlos Gonçalves que a representara no CITAC. Conversando sobre a mesma e sobre a nossa futura apresentação, ao saber a conversa que eu tivera com Luís de Lima, perguntou-me se tinha, por escrito, a garantia da sua oferta e como eu lhe dissesse que não aconselhou-me a que a conseguisse. Preocupado, escrevi a Luís Lima, que se encontrava então no Porto a dirigir o grupo cénico da Universidade de Direito, a informar do estado em que se encontrava a peça e a pedir a formalização da oferta feita, carta que não obteve qualquer resposta. Entretanto, aquele grupo cénico apresentou-se em Lisboa, no Teatro da Trindade, com duas boas encenações de Ionesco a que assisti e, no final, contactei Luís de Lima. Foi uma triste conversa em que este retirou a oferta que tinha feito com a desculpa que havia oferecido o seu espectáculo a Amélia Rey Colaço, que ela não aceitara e sua aproveitava agora do nosso grupo para a levar á cena no seu teatro, sem qualquer dispêndio. Por mais que lhe explicasse que a D. Amélia Rey Colaço não tinha nada com o Proscenium a não ser ter tido a gentileza de nos ceder o teatro, nada o demoveu e quando eu insisti para que então dissesse quanto queria pelos direitos, respondeu que ainda não sabia mas que iria levar tanto que não permitisse a exibição da peça e que, como iria no dia seguinte para Paris, deixaria o valor ao seu advogado Luís Francisco Rebelo. Ao contactar este, no dia seguinte, mostrou o bom amigo que sempre foi informando-me que o Luís de Lima ainda não lhe dissera quanto queria, mas que iria pedir um valor que não nos permitiria apresentá-la. Apesar de advogado dele, lembrou-me que a peça era do domínio público e que se mudasse uma ou duas frases e lhe desse o nome de um novo tradutor, resolveria o problema. Mas, Pedro Lemos não confiou na mudança de meia dúzia de palavras, face a um indivíduo da índole de Luís de Lima, e disse que se teria de se fazer uma nova tradução, isto a poucas semanas da estreia. De imediato, fui ao Instituto Italiano conseguir a peça, Pedro Lemos traduziu-a em dois dias e aí começaram novos ensaios com um texto novo, difícil de decorar porque tínhamos na cabeça outro praticamente igual. Foi um esforço enorme que contou com a boa vontade e o entusiasmo de todos. Durante duas noites nem consegui dormir e aconselhado a tomar um comprimido para resultar lá tomei não um mas meio de um tal “Calmax” que, apesar de dizerem que era fraquíssimo, me deixou num estado que, durante dois dias, até de pé dormia. Nos preparativos do espectáculo, quando perguntei a Pedro Lemos quanto deveríamos levar no custo dos bilhetes respondeu-me simplesmente: os preços habituais do Nacional. E perante o meu espanto perguntou-me se eu queria desvalorizar já o PROSCENIUM pondo bilhetes mais baratos. A verdade é que, para espanto meu, tirando alguns convites que se tiveram que fazer, os bilhetes venderam-se todos. Na data que fora marcada o PROSCENIUM nasceu, perante uma sala completamente cheia onde predominava o meio de teatro com muitos actores, críticos e autores. O “Sumário” foi um êxito, todos se orgulhando da sua interpretação. O “Arlequim” foi representado com muita dignidade, apesar de tudo o que sofreu, agradando bastante. É verdade que, a partir do segundo acto, já ninguém sabia que tradução estava a dizer mas, como eram semelhantes, não se notava. Em próximo “voando no mundo do teatro” falaremos mais em pormenor deste espectáculo. Por hoje, ficamos com duas imagens finais. O da honra que senti no final do espectáculo, ainda no palco, quando D. Amélia Rey Colaço me veio felicitar pelo êxito alcançado. Deste momento, tinha uma fotografia de que muito gostava mas que, como tudo o resto, ficou em Angola. A outra de alguém, excelente actor, mimo e encenador, que, como artista, muito admiro mas que, como pessoa, me deixou uma muito triste e infeliz recordação: Luís de Lima.

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

VOANDO NO MUNDO DO TEATRO III

Continuando a voar no mundo das recordações sou transportado para os primeiros tempos de casado e para o aparecimento dos meus primeiros filhos. Obrigado a pensar mais no trabalho e no aumento dos conhecimentos profissionais, inscrevo-me no curso de contabilidade do Centro de Aperfeiçoamento Profissional do Sindicato dos Empregados de Escritório. Excelente iniciativa daquele Sindicato, dotada de óptimos professores que preparavam os alunos com preciosos conhecimentos de contabilidade, línguas e ainda habilitação para o exame de admissão ao Instituto Comercial. No primeiro ano de frequência, dediquei-me inteiramente ao estudo das várias disciplinas e nem sequer me interessei pela preparação da peça de teatro com que todos os anos encerravam a festa do ano lectivo. Naquelas festas eram premiados os melhores alunos de cada uma das disciplinas e, naquele meu primeiro ano de frequência, existiam, embora ainda do desconhecimento dos alunos, três viagens a Paris, uma para o melhor de línguas, outra para o melhor de contabilidade e outra para o melhor aluno do ano. Não participei na peça daquele ano, o Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente, mas ganhei o prémio em todas as disciplinas, excepto a de caligrafia, e a viagem para o melhor aluno do ano. Visitar Paris era o sonho da minha vida mas, estive em risco de não o concretizar pois disse que só o podia aceitar se levasse minha mulher, pagando eu a ida dela. Responderam-me que aquelas viagens destinavam-se apenas a sócios frequentadores do Centro. Agradeci novamente mas que não iria sem a minha mulher. E a excepção foi aberta e extensiva a outros interessados. Foram dezanove maravilhosos dias em Paris onde tive ocasião de ver tudo o que, durante tantos anos, havia sonhado. Entre tudo, fiz questão de assistir ao espectáculo daquele extraordinário mimo que era Marcel Marceau e que eu tanto admirava como artista e como homem. Os meus companheiros de viagem, a princípio, não estavam muito interessados mas, como para onde ia um iam todos, acabaram por ceder e, no final, deram por bem empregue esta decisão pois adoraram aquele “Paris que rit, Paris que pleur”. Eu é que ainda não estava satisfeito pois meti na cabeça falar com aquele grande Mestre e, assim, dirigi-me aos camarins, antes do espectáculo, e mostrei o desejo de falar com ele. O porteiro, depois de o contactar disse-me que “Monsieur Marcel Marceau”, na altura, não me podia atender porque estava a preparar-se para o espectáculo mas que, no fim deste, tinha muito prazer em receber-me. Se jamais pude esquecer aquele espectáculo também não esqueço a simpática maneira como fui recebido numa longa conversa em que se falou da arte de mimar, do teatro em França e em Portugal e do actor Luís de Lima que tinha sido seu discípulo. No ano seguinte, continuei os estudos de contabilidade embora, sempre que podia, ia ao teatro. Assim, pude assistir a todas as peças da temporada que Maria dela Costa apresentou na sua primeira digressão a Portugal, no velho Teatro Apolo que já não existe, e que culminou com “A Prostituta Respeitosa” de Jean Paul Sartre, a única peça deste autor autorizada antes do 25 de Abril. Não posso também esquecer aquele tão grande momento de teatro que foi a apresentação no Teatro Nacional de “As Bruxas de Salém” de Arthur Miller. Para a peça de fim do ano, a Drª. Ermelinda, nossa professora de inglês, pensou levar à cena o “Rei Lear” de William Shakespeare. Convidado a ir à sessão de audição e distribuição de papeis é-me dado, para ler, uma fala do Duque da Cornualha mas, ainda não tinha terminado e mandam-me ler outro do Duque de Kent que também não termino pois agora dizem-me para ler uma fala do Lear. Quando termino, a Drª. Ermelinda diz que estava encontrado quem iria fazer o Rei Lear. Felizmente que ela foi convidar Mestre Francisco Ribeiro, que interpretara a personagem há pouco, para encenar e dirigir os ensaios. Ele não só recusou como proibiu, terminantemente, aquela ideia de ir para a frente. Na altura, ainda não conhecia pessoalmente Francisco Ribeiro mas estou-lhe imensamente grato por ter evitado o desaire total que seria se tivéssemos concretizado a ideia. Com o entusiasmo não víamos no que nos estávamos a meter. Escolhemos, então, para peça do fim do ano “O Aniversário do Banco” de Anton Chekov e convidou-se o actor Armando Cortez para a encenar e ensaiar. Vejo-me, assim, a interpretar o papel do director do banco na mesma peça onde tinha sido figurante na homenagem a Manuela Porto. No ano seguinte levámos á cena “A Farsa do Mestre Pathelin”, advogado esperto e ardiloso, que me deu muito gozo fazer e, de tal forma me saíu bem que o meu professor de contabilidade nunca mais me deixou de chamar senão por mestre pathelin. Desta vez, não convidámos ninguém para a encenar e toda a montagem foi feita por mim e pelo Mário Cardoso que possuía grande entusiasmo e talento. Nessa altura, apareceu no Centro, a Maria da Glória que estava empregada na Philips e que tivera algumas intervenções teatrais no grupo daquela empresa. Mostrava grande entusiasmo em entrar mas a peça, na versão que estávamos a montar, não tinha qualquer papel feminino. Mas ela insistia com um desejo tão grande e com tal insistência que resolvemos que ela faria, em travesti, o papel do meu criado e que desempenhou muito bem. A Maria da Glória nunca mais nos deixou e, mais tarde, quando numa reunião de grupos de teatro amador apareceu o encenador Artur Ramos à procura de actores amadores para um espectáculo que ia montar no Teatro Nacional me convidou e eu não aceitei, a Maria da Glória aceitou logo. Depois, pediu uma bolsa à Fundação Gulbenkian, foi estudar para Paris e quando voltou não mais deixou o teatro profissional com o nome artístico de Adelaide João. Presto aqui a minha homenagem a todo o amor e dedicação da Adelaide João pelo teatro a que se entregou de corpo e alma e se ela ainda se lembrar das muitas descomposturas que lhe dei, no seu início connosco, deve compreender que era pela muita amizade que lhe tinha e por ver que poderia ser uma grande artista se o quisesse. No ano seguinte, integrado nas comemorações henriquinas, ensaiámos “As Rosas de Santa Maria” uma peça em verso, já não me lembro de que autor, respeitante à passagem do Cabo Bojador, onde interpretava o papel do Infante D. Henrique. Era nossa ideia representa-la em Lagos, ao ar livre, integrado nos festejos que ali se realizavam. Deslocámo-nos com todo o elenco e guarda-roupa, num autocarro, mas a organização das festas, que havia sido contactada com antecedência e aceite a ideia com agrado, acabou por não arranjar espaço para a representação. Foi um trabalho de vários meses que acabou por nunca ser apresentado. Para e festa final daquele ano, realizado no Teatro Capitólio, li um trabalho sobre o Infante D. Henrique “O sonho de mundos novos” e levámos à cena “O Doido e a Morte” de Raul Brandão. A censura tinha substituído a frase final da peça por “Ai que grande filho da mãe”, mas como isso não tinha a força que todo o diálogo da peça exigia resolvemos que seria dita, mesmo, a frase do autor e que fora cortada: “Ai o grande filho da puta.” O teatro estava definitivamente entranhado na vida do Centro de Aperfeiçoamento Profissional. Havia pessoas interessadas, havia boa vontade por parte da direcção do Centro e havia meios financeiros. Era altura de enveredar por um projecto a sério. É aí que continuaremos a voar, num próximo capítulo, recordando todo o entusiasmo posto na criação do “PROSCÉNIUM”.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

VOANDO NO MUNDO DO TEATRO II

Continuando o meu voo, recordo o período em que, após o fim das férias, regresso a Lisboa para o meu curso. A guerra terminara, começam a estruturar-se as oposições à ditadura salazarista e eu empenho-me nessa movimentação até à minha prisão no fim da campanha do General Norton de Matos à presidência da república. Do teatro apenas a assistência a algumas peças, sempre que o tempo e as finanças o permitia e de que destaco dois grandes momentos: a estreia de Maria Barroso no D. Maria com “Benilde ou a Virgem-Mãe” e “A Casa de Bernarda Alba” de Federico Garcia Lorca. Tive ainda presente no D. Maria, na peça de Júlio Dantas “Outono em Flor”, não pela peça mas porque tínhamos organizado uma manifestação a Norton de Matos, com a sua presença numa frisa. No primeiro intervalo, rebentaram as palmas e os vivas à república e à democracia. Após a prisão, ingressei no Coro de Fernando Lopes Graça que ensaiava no Grupo Dramático Lisbonense e actuava em várias colectividades. Aí conheci duas grandes Senhoras, grandes actrizes e declamadoras que acompanhavam sempre os espectáculos com uma parte de poesia dita ora por uma ora pela outra: MARIA BARROSO e MANUELA PORTO. Esta grande actriz organizara também, naquela colectividade, um grupo cénico com elementos provenientes do coro levando Camilo Castelo Branco, Gil Vicente, Pirandello e Tchekov às várias colectividades onde actuava connosco, substituindo a parte de poesia. Quando ingressei no Coro, o grupo cénico já iniciara a sua actividade em 1948 e tinha todo o elenco escolhido mas eu, com o meu entusiasmo, passei a assistir aos ensaios sempre que me era possível e Manuela Porto prometeu que me daria um papel num próxima peça que levasse à cena. Infelizmente, esta promessa não foi cumprida pois Manuela Porto suicidou-se. A minha actuação limitou-se a, na festa de homenagem que lhe foi feita, participar na figuração como um dos membros da delegação do “Aniversário do Banco” de Tchekov. O outro membro da delegação era Rogério Paulo, na altura, já com o nome firmado no teatro profissional mas que não quis deixar de estar presente nesta homenagem. Entretanto, o Coro passou para a Academia dos Amadores de Música e aí participei numa série de reuniões com o Professor Fernando Amado para a constituição de um grupo que continuasse a obra de Manuela Porto, mas as ideias trocadas não me entusiasmaram. Mas, o grupo foi formado e apresentou apenas dois espectáculos, um em 1946 e outro em 1947. Ressurge mais tarde, passado cerca de 20 anos, 1963, numa carvoaria adaptada a teatro de bolso, onde actuou durante bastante tempo com muito êxito como Teatro de Bolso de Lisboa – Casa da Comédia e de lá nasceram figuras predominantes do nosso teatro tais como, entre muitos outros, Glória de Matos, Fernanda Lapa, Manuela de Freitas, Maria do Céu Guerra e Santos Manuel. Um período bastante activo da minha vida e a ida para Angola, levou a que só visse espectáculos da Casa da Comédia, que tão importante papel teve no teatro português, em 1975 já sob a direcção de Filipe La Féria. Com o casamento, o entusiasmo pelo teatro passou para segundo plano porque ia surgindo a coisa mais importante da minha vida: os meus filhos. Mas, a paixão encontrava-se apenas latente e há-de voltar, assim como voltarão estas croniquetas que, possivelmente, apenas a mim dizem qualquer coisa. (A fotografia pertence ao Centro Virtual Camões)

VOANDO NO MUNDO DO TEATRO I

Há dias, quando me despedi de Ruy de Carvalho, no seu camarim, recordei toda uma vida ligada ao mundo do teatro que tanto amo e onde tantas pessoas conheci e tão bons momentos vivi. De todos, poucos restam. Talvez apenas a Adelaide João e o Ruy, o único com o qual tenho mantido algum contacto e nos encontramos de vez em quando. Como tudo passou tão depressa e que saudades. Não sei se esta paixão nasceu por desde muito pequeno meus pais me levarem ao teatro (bons tempos que eram os pais que decidiam e não qualquer legislação determinando idades) ou por ter tido os meus bisavós Carolina Falco, César de Lacerda e Sousa Bastos que levaram uma vida dedicada ao teatro. Talvez tenham sido ambos os motivos. Voando no tempo e recordando tudo e todos sou transportado para os meus quinze anos, na cidade de Évora onde se deu o meu encontro com uma companhia itinerante que havia chegado aquela cidade para dar uma temporada de teatro. Era a Companhia Rafael de Oliveira que tão bom serviço prestou ao teatro levando-o a locais onde o mesmo nunca tinha chegado e despertado o amor daquelas pessoas por tão bela arte. Apesar de acusada por muitos intelectualóides de representar grandes dramalhões, esta companhia despertava nas pessoas o gosto por a arte da representação e, como dizia o Rogério Paulo, se este levava um espectáculo a Azeitão e tinha sala vazia e Rafael de Oliveira as enchia, era ele que estava certo. Estava de férias e aquele grupo passou a ser o meu mundo pois, além de excelentes actores, eram pessoas encantadoras. À noite assistia a todos os espectáculos e durante o dia assistia aos ensaios ou estava com eles no Café Arcada onde a presença de senhoras causava alguma admiração pois ainda não era hábito a frequência do sexo feminino. Foi naquele teatro que pisei pela primeira vez o palco onde, integrando a figuração, fiz um dos apóstolos na ceia da peça “Jesus Nazareno”. Rafael de Oliveira, actor, encenador e dramaturgo, era o empresário da Companhia e marido da actriz Ema de Oliveira. Era um simpático casal com o qual convivi, embora pouco, e que, depois desta estadia em Évora, não voltei a encontrar. Fernando de Oliveira, seu filho, era um dos galãs e, mais tarde empresário. Excelente actor, convivi bastante com ele, mais tarde, quando esteve com a sua companhia em Nova Lisboa. Não esqueço a última vez que estive com ele, pois visitando-o, no camarim, antes do espectáculo que ia ver no Ádoque, desabafou comigo, chorando, que lhe iam tirar o teatro. Estava de rastos mas, como bom actor que era, representou impecavelmente. No final, tentei voltar aos camarins para lhe dar a minha solidariedade, mas a porta dos mesmos estava fechada ouvindo-se, cá fora, os gritos da discussão que se travava. Esperei algum tempo até que aquilo acabasse, mas a discussão não tinha fim pelo que desisti e nunca mais vi o Fernando. Embora gostasse muito das revistas que o Ádoque estava a levar à cena, não mais voltei aquele teatro. Afonso de Matos, muito bom actor, era o director artístico da Companhia a quem se ficou a dever a renovação e diversificação do reportório. Estava casado com a actriz Mila Graça, mãe de Tony de Matos. O Tony de Matos que durante algum tempo foi o ponto da ompanhia, já ali não estava naquela altura mas conheci-o numa das vezes em que visitara os pais. Mais tarde convivi com ele porque trabalhava, como meu irmão, na Comissão Reguladora das Moagens de Ramas. A última vez que estive com ele foi em Nova Lisboa quando ali se deslocou para apresentar o seu filme “A Derrapagem”. Após a apresentação, fomos beber um copo a uma casa de fados e foi um delírio das cantadeiras quando viram a surpresa daquela aparição. Eduardo de Matos, irmão de Afonso, actor e encenador foi director de cena da Companhia após a retirada de seu irmão. Era possuidor de toda a técnica da arte do palco pois havia passado por todas as principais companhias de Lisboa. Durante muito tempo, a Avó Palmira fez dele o seu galã que a acompanhou em digressões ao Brasil, Angola e Ilhas. Deixou de representar em 1960 devido à cegueira que o vitimou. Quando o conheci já via muito mal e então pedia-me que o levasse ao cinema e lhe lesse as legendas. Uma coisa que sempre me irritou foi alguém a ler as legendas em voz alta, mas não tinha a coragem de lhe negar este pedido e, então, fazia aquilo que tanto me irritava nos outros. Carlos e Geny Frias eram um casal de actores que representavam os principais papeis da Companhia. Tinham dois filhos, o Fernando e a Lizete. O Fernando, além de actor era o cenógrafo da empresa. A Lizete era a ingénua e um dos seus principais elementos pois a Mãe transmitira-lhe alguns papeis da sua juventude. Sendo de todos a que mais próxima estava da minha idade (apenas pouco mais de um ano nos separava), era com ela que mais conversava. Era com ela, a Mão e sua Tia Mila Graça que passava as tardes conversando, no Café Arcada. Voltei a encontrar a Lizete em Luanda integrada no elenco do Teatro Experimental de Cascais que ali se encontrava em digressão. Estava hospedada com o marido, Alberto Vilar, no mesmo hotel onde eu estava. Almoçámos os três recordando os tempos de Évora. D. Geny e seu filho Fernando encontrei-os, de novo, em 1976 em Évora, integrados na Cooperativa de Comediantes Rafael de Oliveira que levou aquela cidade “A Mãe” de Berthold Brecht. Ainda me ri bastante com ela pois estava confusa por integrar uma cooperativa e pelas ideias que se viviam na altura. Não estava contra, nem a favor, apenas muito confusa. Era uma simpática Senhora. Todos estes actores, que conheci na altura, já nos deixaram mas tiveram um papel muito importante para o teatro português. Com muita admiração e simpatia recordo todos os momentos que me proporcionaram, agradecendo toda a amizade que me deram e o contributo para este amor que nutro pelo teatro. Como este texto já vai longo vou terminar aqui, mas continuarei a voar através de todas estas recordações pelo que vou voltar.

domingo, 28 de agosto de 2016

AS ÁRVORES MORREM DE PÉ

Quinta-feira fui ao Teatro! Há quanto tempo o não fazia! Durante anos, quando vivia em Lisboa, não perdia uma única peça de teatro, quer profissional, quer amador. Quando deixei de viver em Lisboa, fiquei dependente das poucas companhias que nos visitavam ou das realizações locais que tão pouco eram. Com o ir viver para o campo e com a idade o ir ao teatro tornou-se uma coisa rara. Mas, na quinta-feira, numa oferta do meu genro voltei e foi como uma festa do antigamente, embora já sem aquele ritual de vestir um fato e pôr gravata mas com a mesma emoção de sempre. Como foi bom reviver todos os bons momentos do antigamente em que só faltava a minha querida companheira dos outros tempos porque, então a festa teria sido completa. Jantámos na esplanada do velho café do Coliseu, agora Café 1890. Todas aquelas esplanadas da Rua Eugénio dos Santos estavam cheias. Ainda não há muito tempo, a baixa de Lisboa era quase uma cidade fantasma. Agora está cheia de movimento com turista por todo o lado. Como é bom ver esta LISBOA CIDADE VIVA! Depois, fui ver “As ´´Arvores Morrem de Pé”, passados mais de cinquenta anos sobre a última vez que esta peça, que tantas vezes vi, foi representada. Enquanto relembrava, com saudade, a interpretação da Avó Palmira e de todo o elenco que a acompanhava, receava vir a não gostar desta reposição. Mas, tal não sucedeu. A peça tem uma linda encenação e uma boa interpretação de todos os actores. Senti que Manuela Maria pode não ter sido aquela personagem de respeito que Palmira Bastos impunha (talvez isto seja apenas aos meus olhos), mas criou igualmente uma inesquecível avó que no momento de reconhecer o neto lhe soube dar toda a força que o papel exigia. Gostaria de voltar a ver a peça com Eunice Muñoz a interpretá-la, sinal de que teria recuperado o estado de saúde e que o teatro voltaria a contar com a presença desta grande Artista que tanto admiro. No final, fui aos camarins dar um abraço ao meu querido e velho Amigo Ruy de Carvalho um dos raros que resta de tantos que conheci no mundo do teatro. Como me cruzei com a D. Manuela Maria tive oportunidade de lhe exprimir toda a minha admiração e felicitá-la pela sua excelente interpretação. Parabéns a Filipe La Féria e a todo o elenco.

domingo, 6 de março de 2016

FAZIAS HOJE OITENTA E SETE ANOS

Querida Teresinha, fazias, hoje, oitenta e sete anos e como eu desejava que pudéssemos estar juntos para os festejar. Que dia tão triste estou vivendo porque não estás junto de mim e porque nem sequer pude levar-te uma flor e estar um pouco junto do lugar onde repousas. Em sete anos, tantos como aqueles em que me deixaste, é a primeira vez que não deposito, na tua campa, um ramo de rosas vermelhas símbolo da grande paixão que sempre tive e continuo a ter por ti, meu grande amor. Os dias vão passando e parece que cada um que passa se torna maior a saudade e mais penosa a caminhada. Agora, aqui no Funchalinho, sinto-me ainda mais só por estar mais afastado de ti. Até quando, meu querido amor …?