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Hoje, ao acordar e enquanto via as primeiras notícias da televisão, tive o choque de deparar com a morte da minha Amiga e grande poetisa da língua portuguesa Alda Espírito Santo.
Conheci a Alda há mais de 60 anos quando estudava em Lisboa e viveu algum tempo em minha casa onde travávamos grandes discussões em torno da literatura e de ideais políticos.
A Alda impunha-se pela sua forte personalidade e já profunda cultura a que eu contrapunha, com toda a impetuosidade dos meus 15 anos, a minha forma de ver as coisas naquela altura.
Depois, a vida afastou-nos daquele convívio que recordo com tanta saudade. Ela foi para São Tomé e eu deambulei por Portugal e Angola, embora acompanhasse sempre o seu percurso no campo da literatura e da política onde travou sempre uma grande luta pela independência da sua terra e pelos ideais que sempre defendeu.
Depois da independência de São Tomé, foi deputada, Ministra da Educação e Cultura, Ministra da Informação e Cultura e Presidente da Assembleia Popular da República.
No campo literário destacou-se como uma das mais conhecidas poetisas africanas da língua portuguesa, tendo os seus poemas aparecido nas mais variadas antologias lusófonas, assim como nos jornais e revistas de São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique.
Em 1976 publicou “O Jogral das Ilhas” e em 1978 o seu mais importante trabalho “É nosso o solo sagrado da terra”. Autora do hino de São Tomé, fundou a União Nacional dos Escritores e Artistas de São Tomé, onde era presidente.
Foi aí que a fui encontrar quando da minha recente visita a São Tomé, passados mais de sessenta anos sem nos vermos. Ainda tenho no ouvido a sua expressão de espanto quando se apercebeu de quem eu era: “ Armando? Não…!”.
Apesar dos seus 84 anos, ali trabalhava todos os dias das 11 às 13 e das 15 às 18 horas, organizando livros da literatura santomense e orientando os jovens escritores que iam surgindo. Só às terças e quintas-feiras não trabalhava da parte da tarde, por imposição dos familiares.
E o seu amor à cultura era tão grande que a primeira coisa que disse quando foi apresentada a meu genro foi: “Sr. Reitor, veja se consegue que exista uma livraria em São Tomé”.
Estava extraordináriamente lúcida para a idade que tinha e nada fazia prever que o desenlace estava tão próximo.
Que grande felicidade senti por ter tido possibilidade de ainda ter estado com ela e que grande tristeza me vai agora na alma.
ADEUS ALDA! ATÉ BREVE!
Onde estão os homens caçados neste vento de loucura
O sangue caindo em gotas na terra
homens morrendo no mato
e o sangue caindo, caindo...
Fernão Dias para sempre na história
da Ilha Verde, rubra de sangue,
dos homens tombados
na arena imensa do cais.
Ai o cais, o sangue, os homens,
os grilhões, os golpes das pancadas
a soarem, a soarem, a soarem
caindo no silêncio das vidas tombadas
dos gritos, dos uivos de dor
dos homens que não são homens,
na mão dos verdugos sem nome.
Zé Mulato, na história do cais
baleando homens no silêncio
do tombar dos corpos.
Ai, Zé Mulato, Zé Mulato.
As vítimas clamam vingança
O mar, o mar de Fernão Dias
engolindo vidas humanas
está rubro de sangue.
- Nós estamos de pé -
nossos olhos se viram para ti.
Nossas vidas enterradas
nos campos da morte,
os homens do cinco de Fevereiro
os homens caídos na estufa da morte
clamando piedade
gritando pela vida,
mortos sem ar e sem água
levantam-se todos
da vala comum
e de pé no coro de justiça
clamam vingança...
... Os corpos tombados no mato,
as casas, as casas dos homens
destruídas na voragem
do fogo incendiário,
as vias queimadas,
erguem o coro insólito de justiça
clamando vingança.
E vós todos carrascos
e vós todos algozes
sentados nos bancos dos réus:
- Que fizeste do meu povo?...
- Que respondeis?
- Onde está o meu povo?
...E eu respondo no silêncio
das vozes erguidas
clamando justiça...
Um a um, todos em fila...
Para vós, carrascos,
o perdão não tem nome.
A justiça vai soar,
E o sangue das vidas caídas
nos matos da morte
ensopando a terra
num silêncio de arrepios
vai fecundar a terra,
clamando justiça.
É a chamada da humanidade
cantando a esperança
num mundo sem peias
onde a liberdade
é a pátria dos homens...
(É nosso o solo sagrado da terra)
Eu vou trazer para o palco da vida
pedaços da minha gente,
a fluência quente da minha terra dos trópicos
batida pela nortada do vendaval de abril.
Eu vou descer á Chácara
Subir depois pelos coqueiros do pântano
ao coração do Riboque,
onde o Zé Tintche, tange sua viola
neste findar dum dia de cais
com gentes de longe
na Ponte Velhinha
num dia de passageiros(...)
Descendo o meu bairro
quarta-feira, 10 de março de 2010
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