quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O SONHO E A OBRA - 1954 - CAMPEONATO DA RESISTÊNCIA



Com 1954 entrava em vigor o novo regulamento para a Fórmula 1 que limitava a capacidade dos motores a uma cilindrada de dois litros e meio para os aspirados e 750 cm3 se dotados de compressor.

Nenhum construtor tomou em consideração a segunda hipótese, embora se tenha sabido que a Mercedes havia estudado, teoricamente, esta possibilidade.

A primeira prova do campeonato realizou-se, como já vinha sendo habitual, por ocasião da Temporada Argentina, em Buenos Aires a 17 de Janeiro e a Mercedes não esteve presente por ainda não ter os seus carros prontos.

Por esse motivo permitiu que Fangio, o seu piloto número um, pudesse correr por outra marca a fim de não perder a possibilidade de conquistar pontos com vista ao título mundial de pilotos, o qual aceitou a oferta da Maserati para conduzir um dos seus novos seis cilindros.

A Ferrari tinha reconstituído a sua equipa, após a saída de Ascari e Villoresi atraídos pela sedutora oferta da Lancia que se preparava para entrar na Fórmula 1.

Para a primeira competição da época, tinha enviado à Argentina quatro automóveis oficiais, tipo 625, para Farina, Gonzalez, Hawthorn e Maglioli, para além dos privados franceses Rosier e Trintignant.

Os treinos e a qualificação de sábado tinham dado boas perspectivas pois colocara Farina e Gonzalez nos dois primeiros lugares da grelha, seguidos de Fangio e Hawthorn.

Na prova, os dois Ferraris haviam partido bem indo-se embora, mas um violento temporal havia atrasado todos, sobressaindo Fangio que venceu com a média de 112,8 quilómetros horários.

Considerando a volta mais rápida de 130,3 km/h realizada por Hawthorn quando a pista ainda estava seca, pode-se compreender a influência que a chuva teve nos resultados da prova. Os Ferraris classificaram-se em segundo e terceiro através de Giuseppe Farina e de Froilàn Gonzalez.

Uma consolação e um bom presságio foi a vitória obtida por Farina e Maglioli, tripulando um 375 Mille Miglia uma semana depois, nos 1 000 Quilómetros de Buenos Aires.

A 31 de Janeiro, numa corrida para monolugares de Fórmula 1 realizada em Buenos Aires, não pontuável para o campeonato, a vitória sorriu a Trintignant, ficando em segundo lugar o argentino Mieres em Maserati. Farina cuja viatura avariou concluindo a prova no carro de Gonzalez classificou-se em terceiro.

O grande prémio seguinte válido para o título mundial, não ontando com as 500 Milhas de Indianapolis, foi o da Bélgica, realizado a 30 de Junho no rápido circuito de Spa-Francorchamps, e a Ferrari apresentou quatro carros, dois do tipo 625 e dois do tipo 553, conhecidos como "tubarão" devido à sua rotunda carroçaria. Eram carros com motores com um curso curto e baseados nas experiências feitas no ano anterior com os análogos F2.

A Mercedes voltou a não se apresentar nesta prova, mas Fangio impôs-se de novo pilotando um Maserati, ficando Maurice Trintignant, em Ferrari, em segundo e Stirling Moss, em Maserati, em terceiro.

Finalmente "os flechas de prata" na Mercedes fazem a sua apresentação no Grande Prémio de França, realizado em Reims a 4 de Julho, e Fangio, favorecido pela aerodinâmica da carroçaria destes carros, não teve dificuldade em vencer mais esta
prova, ficando em segundo outro carro desta marca, pilotado por Karl Kling, classificando-se em terceiro Robert Manzon em Ferrari.

A Ferrari, desfalcada do seu primeiro piloto Nino Farina que se encontrava recuperando de um acidente numa competição para carros de sport, sofria vários problemas que envolviam umas vezes os motores e outras as suas transmissões.

Por ironia, Ascari e Villoresi corriam em Maserati, visto os monolugares da Lancia,pela qual haviam sido contratados, ainda não se encontrarem prontos.

No entanto, para a Ferrari nem tudo estava perdido pois Gonzalez, repetindo a sua proeza de três anos atrás, vencia o Grande Prémio da Grã-Bretanha, realizado em Silverstone a 17 de Julho, seguido do seu companheiro de equipa Mike Hawthorn e de Onofre Marimon, em Maserati.

Vale a pena referir que neste grande prémio assistiu-se ao recorde de sete pilotos fazerem a melhor volta com o mesmo tempo de 1m 50,0s à média de 154,159 km/h. Foram eles Gonzalez, Hawthorn, Moss, Ascari, Marimon, Behra e Fangio.

Mas a esperança obtida com aquela vitória teve pouca duração pois Fangio ao ganhar os três seguintes grandes prémios (Alemanha, Suiça e Itália) assegurava o título mundial, embora a situação não fosse tão confortável se não fossem as suas duas vitórias do início da época, pilotando Maseratis.

No Grande Prémio da Alemanha, realizado a 1 de Agosto em Nurburgring, a Ferrari conquistava o segundo lugar com Froilàn Gonzalez, tendo Hans Hermann da Mercedes ficado em terceiro.

Neste grande prémio deu-se o primeiro acidente mortal desde o início do campeonato mundial em 1950. Onofre Marimon, grande promessa do automobilismo argentino, despistou-se na zona da ponte de Adenau e não resistiu.

No Grande Prémio de Itália, em Monza a 5 de Setembro, a Ferrari voltou a conquistar o segundo e terceiro lugares através de Mike Hawthorn e da dupla Froilàn Gonzalez/Umberto Maglioli.

Para Mike Hawthorn ficou a consolação da vitória na última prova, o Grande Prémio de Espanha, realizado em Pedralves a 24 de Outubro. Luigi Musso em Maserati e Juan Manuel Fangio conquistaram o segundo e terceiros lugares.

Nesta última prova, apareceu finalmente o monolugar preparado pela Lancia, mas poucos poderiam imaginar as dificuldades que a marca iria sofrer nos doze meses seguintes.

A Ferrari dava conta de como os seus meios eram inadequados face à "máquina de guerra" da Casa Alemã dotada de uma organização impecável com um grau de eficiência enorme que traçava ao "esquadro e à linha" a velocidade e as mudanças em
cada ponto do circuito. É estranho verificar como, no curto espaço de um ano, as coisas se alteraram.

Na sua habitual carta de abertura do anuário de 1954, Enzo Ferrari observava que "mesmo neste ano e apesar de todos os altos e baixos e contra todas as adversidades, o título mundial de construtores foi atribuído à nossa minúscula Casa, mostrando todo o potencial dos nossos carros de sport".

Além disso, o anuário enumerava as 82 vitórias conquistadas pelos automóveis Ferrari, muito deles pilotados por clientes privados entre os quais se observavam sempre novos corredores americanos como James Kimberly, Bob Drake e Tony Parravano.


AS CORRIDAS DOS CARROS DE SPORT

Como foi dito anteriormente, a Ferrari venceu o Campeonato Mundial de Construtores de Carros de Sport, com o 375MM e com o 750 Monza, o novo modelo com motor de quatro cilindros em linha.

Os pilotos eram os mesmos que pilotavam os monolugares: Farina, Maglioli, Gonzalez, Trintignant e Hawthorn.

Os carros complementavam-se com os grandes V12 nas competições onde predominava a maior velocidade e os novos 750 Monza onde se tornava necessária uma maior recuperação e agilidade na saída de traçados lentos.

O modelo 375 Mille Miglia, entretanto, tinha evoluído para o 375 Plus. O motor tinha derivado da unidade original de Lampredi com o diâmetro aumentado para lhe dar uma capacidade de cinco litros e uma potência de quase 350 cavalos, capazes de atingir com rapidez os 300 quilómetros hora.

Ficaram conhecidos pelo "monstro" ou pelo "petroleiro" devido ao exorbitante consumo de combustível, definições que Ferrari "considerava originárias da muita raiva porque vencemos".

Com efeito, este carro impôs-se nas 24 Horas de Le Mans, pilotado por Gonzalez e Trintignant. Em certa altura chovia abundantemente e Gonzalez recordava, anos mais tarde, que lhe parecia ter o diabo por companheiro. "E falei-lhe mesmo" dizia.

Com a mesma máquina Umberto Maglioli vencia a V Panamericana México, última edição desta fascinante competição que teve como segundos classificados dois jovens americanos, Phill Hill e Richie Ginther destinados a tornarem-se pilotos oficiais do "Cavallino".

As Mille Miglia, desta vez, tiveram uma actuação negativa com o grave acidente de Nino Farina e a desistência de Paolo e Giannino Marzotto com um 375 MM e de Umbetto Maglioli com um 375 Plus, ambos por avaria.

A honra da família Marzotto bem como a da Ferrari, foi salva por Vittorio Marzotto que se classificou em segundo lugar com um 500 Mondial, carro que se mostrou muito fiável.


NOVOS MODELOS DE SPORT

Para além do 375 Plus, evolução do 375 Mille Miglia, em 1954 deram à luz mais dois modelos de carros de sport, semelhantes no chassis mas com motores diferentes, criados pela extrema versatilidade dos desenhadores e do critério de intercomunicabilidade mecânica.

O modelo 750 Monza, um clássico no seu tipo, com um motor de três litros de cilindrada sobre quatro cilindros precisamente de 750 cm3 cada um, conforme a sigla, era uma máquina simples e robusta, incluindo um posterior passo correspondente ao aumento de cilindrada.

Tinha um quadro refinado, dotado de suspensões independentes e de um eixo traseiro De Dion.

Para o modelo 250 Monza era utilizado um chassis mais longo, tendo em conta o volumoso e clássico motor V12 com três litros de cilindrada.

Um detalhe interessante é que desta versão foram construídos apenas quatro exemplares, dois com carroçaria Scaglietti e dois com carroçaria Pinin Farina, facilmente reconhecíveis por serem muito diferentes no estilo.


OS MODELOS DE SÉRIE

A produção de modelos de série continuava a aumentar lentamente mas regularmente, tendo em consideração os compromissos desportivos.

Agora, os raros automóveis de grande turismo começavam a aparecer nos concursos de elegância e a vence-los graças aos projectistas das suas carroçarias.

Entre estes, Pinin Farina tinha-se tornado praticamente "o costureiro" exclusivo da Ferrari e pode dizer-se que a sua consagração se verificou no Salão de Paris com o 250
GT que está na origem de uma longa série onde se passou de uma produção artesanal com, pode dizer-se, muitas peças únicas para uma produção em série firmemente assente em bases industriais.

Para obter estes resultados, Ferrari e mesmo Pinin Farina modernizaram-se e aumentaram as suas instalações o que originou alguns problemas de produção mas, ao mesmo tempo, uma interessante evolução do modelo.

Na realidade o "coupé" 250 GT com desenho de Pinin Farina foi produzido na "Carrozzeria Boano" primeiramente e na "Carrozzeria Ellena" seguidamente, dada a existência de um conjunto de circunstâncias que convêm explicar, pois existem duas versões não identificadas correctamente.

Felice Mario Boano tinha trabalhado inicialmente para a Carrozzeria Farina" antes de se estabelecer por conta própria, onde continuou a aconselhar-se com Pinin Farina com quem colaborava.

Esta colaboração tinha conduzido precisamente à produção do 250 GT por parte da firma criada por Giampaolo Boano, filho de Felice Mário.

Em 1958, ambos os Boanos passam a dirigir o Centro de Estilos da Fiat deixando a sua empresa a Giuseppe Pollo e a sua irmã Ellena. Esta passagem de propriedade teve como consequência uma variação no desenho do "coupé", com o tejadilho mais elevado
para uma melhor habitabilidade.

Portanto, pode-se reconhecer facilmente o "coupé" Boano praticamente igual ao protótipo de Pinin Farina e do qual foram construídos cerca de 70 exemplares, enquanto do "coupé" Ellena se construíram cerca de 50.

Entretanto, a fábrica era melhorada no plano industrial com a construção da fundição para ligas leves o que era essencial para garantir a qualidade do produto acabado e o segredo de novos projectos, não devendo depender de fornecedores externos.

Os trabalhos mecânicos eram sempre efectuados em casa o que obrigava a um invejável número de máquinas e instrumentos, alguns dos quais produzidos mesmo na Ferrari.


NOTA: Este "post" é o resumo livre e aumentado do capítulo respeitante ao ano de 1954 da obra "L'Opera e il Sogno"

FONTES: "L'Opera e il Sogno", "Grand Prix - A história da Fórmula 1", "Bandeira da Vitória - A história do Automobilismo" e "Ferrari - 60 ans de scuderia"



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