sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O SONHO E A OBRA - 1955 - UMA VIAGEM AOS OITO CILINDROS



A crise a nível técnico que já era evidente em 1954 face às dificuldades para se opor, na Fórmula 1, à Mercedes, acabou por explodir em 1955.

A batalha contra o colosso alemão teria sido inimaginável para outro que não fosse Ferrari, pois não só se batia contra a marca de automóveis mais potente do mundo, como levava a cabo programas para a produção de carros de sport e de grande turismo com um número global de empregados inferior aquele que, possivelmente, a Mercedes, destinava somente à Fórmula 1.

O campeonato mundial de pilotos teve inicio em Buenos Aires e o campeão do mundo Juan Manuel Fangio, desta vez com o melhor carro do momento, brincava, em casa, com todos os outros concorrentes.

No entanto, se não estivesse Fangio ao volante, talvez o resultado tivesse sido bem diferente, pois a elevada temperatura verificada durante a corrida inverteu completamente os resultados verificados na qualificação e sobre a primeira linha da grelha de partida constituída por Froilàn Gonzalez em Ferrari e Alberto Ascari em
Lancia, seguidos do Mercedes de Juan Manuel Fangio e do Maserati de Jean Behra.

A temperatura do ar era de 40º e a do asfalto superior aos 50º o que provocou que este Grande Prémio ficasse recordado como "a corrida das trocas" por os pilotos pararem de dez em dez voltas para se refrescarem e darem lugar a outro que se encontrasse mais fresco.

O regulamento permitia dividir pelos pilotos os pontos concedidos com base na posição final do carro como atesta o resultado com Gonzalez, Farina e Trintignant no Ferrari segundo classificado, Farina, Trintignant e Maglioli no terceiro e Kling, Hermann e Moss no Mercedes classificado em quarto.

O veterano Fangio com os seus 44 anos (só batido na idade, dos presentes na competição, por Farina com os seus 49 anos) foi primeiro por ter conseguido conduzir durante toda a prova, deslumbrando toda a assistência, apesar de estar a sofrer
queimaduras num pé causadas por um tubo de escape mal isolado. E isto apesar de Alfred Neubauer, director de corrida da Mercedes, ter levado grande parte do tempo a acenar desesperadamente para que ele viesse às boxes, mais pelo receio originado pelo som do motor que dava a sensação que os cilindros não estavam todos a funcionar, do que pelo seu interesse pela saúde de Fangio.

O Grande Prémio de Mónaco, em Monte Carlo, foi o único naquela época em que a Ferrari se conseguiu impor com Trintignant em primeiro lugar, seguido de Castellotti (com os seus 25 anos) em Lancia. Esta corrida ficou lembrada por Ascari, também em Lancia, ter caído ao mar donde emergiu incólume.

Para a Mercedes não houve mais problemas e Fangio ganhou as restantes corridas, com excepção do Grande Prémio da Grã-Bretanha que foi ganho por Stirling Moss por dois décimos de segundo. Para Moss ficou sempre a dúvida se de facto ganhou a
prova ou se foi Fangio que o deixou ganhar.

Como é evidente, os problemas em Maranello eram muitos, procurando-se, a todo o custo, soluções melhores com o material, chassis e motores à disposição.

Para além do monolugar tipo 625 (o original de 1951), tiveram o 553 com motor de F1 e uma denominação que não tinha nada a ver com o sistema de numeração usado até então.

A sigla era formada com o 5 do tipo 500 e o 53 do ano de utilização em F2. Nas memórias técnicas existem sinais de um 554 que deveria ter o chassis alterado com as suspensões dianteiras dotadas de mola helicoidal em lugar da mola transversal e que
era o elo de ligação com o tipo 555. A imprensa especializada referia-se à forma pançuda das carroçarias a que davam o nome de "squalo" e de "supersqualo" ou seja tubarão ou supertubarão.

O campeonato mundial concluiu-se com a vitória de Fangio e da Mercedes e com a Ferrari em quarto lugar graças a Maurice Trintignant.

Entretanto o desempenho medíocre dos carros não era na realidade o principal problema na Ferrari, pois a realidade é que a equipa tinha perdido a confiança no seu chefe projectista.



REVOLUÇÃO TÉCNICA

Aurélio Lampredi tinha estado em Indianapolis em 1952 e havia ficado impressionado com a prestação dos motores utilizados por quase todos os participantes na competição americana e mais precisamente nos quatro cilindros Meyer Drake Offenhauser, assim chamados pelos nomes dos engenheiros que trabalharam neles.

Era motores de aparência simples com os seus quatro cilindros de quase 1 100 cm3 de cilindrada unitária, em condições de trabalhar muitas horas num alto regime e originando uma potência pelo menos igual ao mais sofisticado V12 Ferrari.

Lampredi via no motor americano a confirmação da sua convicção quando projectou o quatro cilindros Ferrari e teve, provavelmente, uma segunda ideia: fazer um motor com cilindros semelhantes aos americanos mas adaptados à fórmula 1 europeia, a utilizar em circuitos lentos como o de Monte Carlo em que um motor com baixos regimes era mais vantajoso do que um com grande potência injustificada onde a velocidade média rondava apenas os 100 quilómetros.

Não se sabe quando lhe surgiu a ideia de produzir um grande dois cilindros, mas a verdade é que, contra a opinião dos seus colaboradores mais próximos, deu luz verde à produção do 252, um motor de dois cilindros e uma cilindrada de dois litros e meio.

O monstruoso motor tinha um diâmetro de 118 mm e um curso de 114 mm. Além disso, para ter um processo de ignição regular, os dois pistons deviam subir e descer juntos o que tornava muito difícil equilibrá-lo dadas as suas dimensões. Assim, durante o primeiro ensaio no banco, o motor quebrou os apoios e não registando mais
que uns modestos 160 cavalos de potência.

Como seria de esperar e dado os resultados que a Ferrari vinha a obter, trocaram-se duras palavras entre Enzo e Lampredi, com tanta violência que originaram a sua saída para sempre de Maranello a 19 de Julho de 1955, indo para a Fiat onde trabalhou até ao final da sua carreira.

Dois dos colaboradores mais talentosos de Lampredi permaneceram na Ferrari. Franco Rocchi para os motores e Walter Salvarani para os chassis, asseguraram os trabalhos de rotina até ser tomada uma decisão.

Antes de deixar a Ferrari, Lampredi havia projectado uma nova série de motores de seis cilindros em linha e que, na prática, eram uma extrapolação dos motores de quatro cilindros acrescentados de um módulo de mais dois.

Tal como os quatro cilindros em linha, baseavam-se num bloco que permitia diversas dimensões e retomaram as medidas originais.

Para estes motores foi necessário adoptar uma nova série de números que identificassem o novo tipo, pois não se podia utilizar o número representativo da cilindrada unitária por já ter sido utilizada nos quatro cilindros.

Assim, foi adoptado um número no qual os dois primeiros dígitos representavam a cilindrada dividida por cem e o terceiro dígito indicava o número de cilindros.

Este mesmo critério foi seguido para os motores de oito cilindros com oito como terceiro dígito.

A primeira versão do seis cilindros em linha foi o chamado tipo 306 derivado directamente do dois litros F2. Sabe-se da sua existência porque foi incluído na lista de motores, embora não tenha passado da fase de ensaios no banco.

Seguiu-se o 376 S que tinha um motor de 3 700 cm3 de cilindrada e era derivado do 625 e do 735 LM e, por último, o 446 na linha da nova nomenclatura (4 400 cm3 de cilindrada e seis cilindros).

Foram construídas algumas unidades de carros de corrida com os motores 376 S e 446 que participaram em algumas competições com resultados modestos.

Além disso, tinha-se produzido o quatro cilindros original elevando a cilindrada para três litros e meio com os cilindros com um diâmetro de 102 mm e o curso elevado para 105 mm, um dos raros exemplos de motor de competição para provas longas com uma potência de 272 cavalos.

Era necessária uma evolução mais incisiva nos projectos de motores e este passo produziu uma série de acontecimentos que revolucionaria o mundo do desporto automóvel.



O LANCIA D50 VAI PARA MARANELLO

Ferrari não tinha apenas a Mercedes para se preocupar no início da temporada de 1955, pois a Lancia era outro problema grave.

Sob a orientação entusiástica de Gianni, filho do fundador Vincenzio Lancia, o construtor de Turim tinha empreendido um programa intensivo para os seus carros de sport, os quais obtiveram excelentes resultados em algumas das corridas mais importantes.

Tinha inscrito, igualmente, na Fórmula 1, um carro pouco comum projectado por Vittorio Jano, um brilhante técnico que deixara a Alfa Romeo antes da guerra e reaparecera em Turim, sua terra natal, com um projecto para o Lancia D50.

Tratava-se de uma máquina, em muitos aspectos, revolucionária, com um motor V8 montado diagonalmente com o eixo ao lado do piloto. Os depósitos de gasolina foram suspensos de lado o que dava ao carro uma aparência original. Este arranjo garantia uma excelente distribuição do peso, ao mesmo tempo que melhorava o fluxo de ar.

Mas, se os resultados eram compensadores para o projecto, originavam elevados custos à Casa construtora.

Entretanto a Lancia sofria um drama trágico e algo inesperado. A 22 de Maio, durante o Grande Prémio de Mónaco, o seu piloto número um, Alberto Ascari, despistou-se caindo, com o seu carro, no mar, donde emergiu sem quaisquer danos aparentes.

Passados quatro dias, a 26 de Maio, quando assistia, em Monza, aos treinos de Eugénio Castellotti no Ferrari 750, com vistas à corrida do domingo seguinte, pediu para dar umas voltas. Inexplicavelmente e cujas causas nunca foram esclarecidas,
despistou-se esmagando o carro e donde foi retirado já sem vida. Tinha 37 anos!

Enzo Ferrari descreveu assim o acidente: "Na quinta feira depois de cair ao mar, em Mónaco, Ascari apareceu em Monza quando Castellotti ensaiava o modelo sport 3 litros que eles pilotariam no fim de semana seguinte. Alberto sempre dizia que um piloto depois de ter um acidente deve voltar ao volante o mais depressa possível para não ficar com medo. Ele pediu se poderia sair com o carro, durante a pausa do meio dia, para um par de voltas. Foi para a pista com o capacete de Castellotti, e até com a sua gravata esvoaçando sobre o ombro. À segunda volta matou-se na longa e larga curva Viallone que nem é mesmo uma curva."

Em consequência desta terrível perda e devido aos seus problemas económicos a Lancia decidiu retirar-se das competições.

Graças aos esforços da Federação Italiana e da Fiat, encontrou-se um acordo em que a Ferrari tomaria todos os activos de competição da Lancia e todas as peças sobressalentes, recebendo ainda um subsídio de £ 30 000 enquanto corresse com estes carros.

Apesar de ter sido o melhor presente a que poderia aspirar, receber os muito melhores D50 e ainda algum dinheiro, Enzo Ferrari não se privou de um dos seus habituais golpes de teatro, mostrando que estava a fazer um grande favor à indústria e ao automobilismo italiano.

A 7 de Julho, a Lancia assumiu a sua intenção de oferecer à Ferrari o material da sua equipa de fórmula 1 e que constava de 6 carros D50, camions de transporte e sobressalentes

Conjuntamente com o material, ficava disponível o projectista Vittorio Jano, velho amigo de Ferrari que, em 1923, o levara da Fiat para trabalhar com ele na Alfa Romeo.

A transferência do material fez-se em Turim, a 26 de Julho, sem a presença de Gianni Lancia ou de Enzo Ferrari para evitar quaisquer constrangimentos. Por parte da Ferrari esteve presente o engenheiro Mino Amorotti, amigo de Ferrari e director técnico da equipa.

As provas para o posterior desenvolvimento do carro iniciaram-se imediatamente mas a sua primeira exibição verificou-se numa corrida, antes do campeonato mundial terminar, mas não pontuável para este: o Oulton Gold Cup Meeting, a 24 de Setembro, com Hawthorn e Castellotti classificando-se, respectivamente, em segundo e sétimo.


AS COMPETIÇÕES DOS CARROS DE SPORT

No que respeita aos carros de sport, o único resultado válido para o título mundial, foi o obtido nos 1 000 Quilómetros de Buenos Aires pelo piloto argentino Enrique Dias Saenz Valiente tripulando um 375 Plus.

O desenvolvimento dos carros com potentes motores de 6 cilindros não estava a resultar e o projecto acabou por ser abandonado.

O ano tinha sido funesto com o acidente nas 24 Horas de Le Mans no qual perderam a vida o piloto Pierre Levegh (cujo verdadeiro nome era Pierre Bouillin) e noventa espectadores.

Por esse motivo, a Mercedes decide retirar-se de qualquer actividade desportiva e Fangio, com o seu terceiro título, ficou livre para procurar uma equipa que possuísse um carro capaz de lhe proporcionar a obtenção de novos sucessos.

Para a Ferrari, os privados estavam a tornar-se cada vez mais importantes. Eram indivíduos ricos e apaixonados que corriam ao lado dos pilotos profissionais e que, quando ganhavam, traziam excelente publicidade para a marca.

Foi por isso que o anuário se transformou num álbum de família onde, por ordem alfabética de países, se deixava uma palavra especial de amizade para os mais válidos.

Assim, ali encontramos os argentinos Saenz Valiente e Najurieta, os belgas Frère (piloto, engenheiro e jornalista), Gendebien e Swaters, os franceses Rosier e Trintignant, Picard e Manzon, os ingleses Hawthorn e Whitehead, os italianos Farina, Maglioli, Taruffi e ainda Pucci, Piotti e Munaron, o holandês Maasland, os portugueses Nogueira e Oliveira, o nobre espanhol Alfonso De Portago, os suíços Daetwyler e De Graffenried e, por último, os americanos Hill, Gregory, Shelby, Kimberly, Von Neumann, Schell e ainda outros.

Como sempre, o anuário inseria páginas de agradecimento aos patrocinadores e fornecedores e, ainda, uma fotografia do negus Hailè Salassie que emitiu o diploma da medalha de ouro ao representante da Ferrari na África Oriental devido ao 500
Mondial presente na exposição de Addis Abeba.

NOTA: Este "post" é o resumo livre e aumentado do capítulo respeitante ao ano de 1955 da obra "L'Opera e il Sogno"

FONTES: "L'Opera e il Sogno", "Grand Prix - A história da Fórmula
1", "Bandeira da Vitória - A história do Automobilismo" e "Ferrari - 60 ans de scuderia"



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