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domingo, 8 de novembro de 2009

FREDDY VAZ – O PILOTO QUE TINHA UMA PRESSA ENORME DE VIVER




Freddy Vaz era um jovem alegre, com um entusiasmo contagiante e uma extraordinária ousadia que nem sempre respeitava as regras do bom senso e os limites de segurança.

Nas provas, abusava da sua perícia e queria sempre mais e mais como se tivesse uma pressa enorme de viver.

Vi-o correr apenas em três provas.

A primeira, nas “6 Horas” de 1968 tripulando um Volvo.
Ao passar na meta, no fim da primeira volta, comandava já, destacadamente, a prova. Mas, na segunda volta já não passou. Exigira demasiado do carro que não resistiu e ficou parado.

Voltei a vê-lo no Pequeno Circuito do Huambo, num Lótus 23, em que comandou a prova durante várias voltas até ter de parar nas boxes, por avaria, onde ficou retido durante várias voltas.

Quando retomou a prova, lançou-se numa velocidade desmedida à conquista do impossível que era recuperar o comando. Mas ele não pensava assim e cada vez acelerava mais, secundado pela sua boxe que, com o mesmo entusiasmo, o incitava a andar mais e mais.

A última vez que o vi foi nas “6 Horas” de 1969 em que a sorte o traiu, não acompanhando a sua fogosidade e, infelizmente, para ele a prova não durou seis horas.

Mas, vejamos como tudo se passou.

Admirámo-nos de, entre as inscrições, não estar a ficha do Freddy mas, naquela altura, era habitual os concorrentes aparecerem antes dos treinos e fazerem, então, as suas inscrições

Mas, nos treinos, o Freddy também não apareceu e pensámos que ele não participaria na prova.

Já na sede do Sporting, quando estavam praticamente concluídos os trabalhos do dia, ele apareceu finalmente mostrando vontade de alinhar na corrida.

Segundo o regulamento da prova, tal não era possível mas o Franchi Henriques, sempre com o seu feitio prestável e desejoso de satisfazer a vontade de toda a gente, pediu-me que redigisse um aditamento que permitisse o seu alinhamento.

Confesso que o fiz contrariado porque entendia que não se devem fazer aditamentos para beneficiar alguém e, assim, elaborando uma redacção que permitia o alinhamento no último lugar da grelha a qualquer carro e piloto que não tivesse efectuado treinos, acrescentei “desde que tivesse o consentimento expresso de todos os outros concorrentes”.

E, o Freddy, lá foi obter essa autorização, regressando com a mesma assinada por todos os pilotos inscritos.

Resolvido este assunto, outro problema surgiu: não tinha alojamento e os hotéis estavam todos cheios.

Conseguimos alojamento numa casa particular, mas o Freddy alegava que estava habituado a ficar em hotéis e não aceitava a solução encontrada.

Eu que já estava aborrecido com tanta exigência e, embora simpatizasse bastante com aquele jovem, “passei-me” e, um pouco duro, disse-lhe: Olha! O melhor é voltares para Benguela pois não fazes cá falta nenhuma.

Mas, este incidente depressa foi resolvido pois o Chico Barbosa aceitou que ele ficasse no seu quarto onde dispunha de duas camas.

Com o meu feitio, um pouco intransigente, sem o saber, estava a tentar evitar o encontro que o Freddy iria ter no dia seguinte, mas tudo se ia proporcionando para que, de facto, ele acontecesse.

O Freddy alinhou, correu com a sua habitual vivacidade e quando se encontrava na última volta, antes de entrar nas boxes para mudar de piloto, o carro embateu no lancil do passeio, despistou-se e foi raspar a parede do edifício dos Correios.

Não foi grande embate pois o carro mal ficou amachucado, tendo apenas a pintura raspada, e nada fazia prever um desenlace fatal. Mas, ele havia cometido duas imprudências: desapertara o capacete e levava o vidro da porta aberto.

No embate, bateu com a cabeça na parede. Tivesse ele o capacete apertado e a janela fechada e, estamos certos, nada do que sucedeu teria acontecido.

Ainda foi pelo seu pé para a ambulância que o conduziu ao hospital, mas, passado algum tempo, tomámos conhecimento que havia falecido.

O resto da prova desenrolou-se num ambiente de grande consternação, parecendo que o final da prova nunca mais chegava, mantendo-se um grande silêncio sobre o sucedido.

A festa da distribuição dos prémios foi cancelada e deu-se tudo por terminado após a ida ao pódio dos vencedores, para imposição da coroa de louros, e a respectiva volta de honra.

Só nessa altura se deu conhecimento da triste notícia.

A urna do malogrado Freddy Vaz foi colocada na sede do Sporting Clube do Huambo onde foi velada durante toda a noite.

Os vencedores das “6 Horas, José Lampreia e Álbio Pinto, ali compareceram a depor, junto à urna, as coroas de louros que haviam conquistado.

Na segunda-feira, a urna seguiu para Benguela, acompanhada de dezenas de carros.

Foi verdadeiramente impressionante ver, na descida da serra já de noite, as dezenas e dezenas de faróis por ali acima.

Em Benguela, ficou em câmara ardente numa das colectividades (já não me lembro qual) de segunda para terça-feira, dia em que se realizou o funeral.

A direcção das “6 Horas” esteve representada pelo Mira Godinho, pelo Franchi Henriques e por mim, nesta jornada tão triste do automobilismo angolano.

A imprudência de um capacete desapertado e de uma janela com o vidro aberto custou a vida a um jovem que poderia ter sido um grande piloto na história do automobilismo angolano quando a sua extraordinária perícia passasse a obedecer ao raciocínio, moderando a sua fogosidade que punha em risco a sua própria vida e a dos carros.

Em mim perdura a imagem de um jovem alegre, generoso e um pouco irreverente como é apanágio da juventude. Apesar de, naquela noite, ter sido um pouco duro e indelicado, nutria por ele uma grande simpatia e recordo sempre aquele dia com grande tristeza.

FREDDY VAZ TINHA UMA PRESSA MUITO GRANDE DE VIVER E DE CORTAR A META FINAL RAPIDAMENTE!

quinta-feira, 23 de julho de 2009

NO TEMPO DOS "GENTLEMEN DRIVERS"



A propósito de uma conversa noutro fórum sobre pilotos humanos, pilotos noctívagos e de como era no tempo dos “gentlemen drivers”, lembrei-me dos treinos das 6 horas de 1972 e dos problemas que existiram com os mesmos.

Ao internacionalizar a prova, sabia da exigência de realizar treinos em dois dias diferentes e, para esse aspecto, alertei as entidades respectivas dizendo que, no regulamento, iria mencionar apenas um dia, mas que poderia ser obrigado a realizá-los em dois.

Em 1971 ninguém levantou problemas e o trânsito na cidade esteve apenas interrompido durante dois dias, mas em 1972 já não foi assim e o problema levantou-se.

Ao receber a equipa Bonnier no aeroporto e, ainda na pista, após a troca de cumprimentos, Jost, o director da equipa, chamou-me a atenção para o lapso existente no regulamento que só indicava um dia para treinos.

Expliquei-lhe que não havia lapso e, por se tratar de um circuito de cidade e para evitar problemas de trânsito durante três dias, só estava previsto um para treinos mas que, se vissem necessidade, far-se-iam durante dois dias.

Jost, sempre muito diplomata, disse compreender perfeitamente o problema mas que não podia deixar de ter treinos em dois dias diferentes até porque, devido à altitude, necessitariam fazer afinações nos carros.

Respondi-lhe que iriam ter os dois dias de treinos e, do aeroporto, fui imediatamente falar com o governador para obter a respectiva autorização.

Obtida esta, dirigi-me à Câmara, consegui interromper a sessão para expor a situação e, também ali, obtive a anuência da autarquia com a recomendação de prejudicar o menos possível o trânsito.

Para satisfazer esta recomendação, marquei o primeiro dia de treinos para as seis horas da manhã.

Ao comunicar esta hora ao Jost, ele só me perguntou se já era dia e como o confirmei respondeu-me que estava tudo bem.

Quem, embora na brincadeira, barafustou foi o Nicha Cabral que dizia que aquela hora, muitas vezes, ainda nem sequer se tinha deitado e que, possivelmente, não iria treinar.

Naquele dia, às quatro da manhã já eu e toda a equipa trabalhávamos para estar tudo em ordem; às 5,30 encerrei a pista e estava tudo a postos para o início dos treinos.

E, para surpresa minha, o primeiro piloto a aparecer, devidamente equipado, para iniciar os treinos foi o Nicha.

No tempo dos “gentlemen drivers” era assim…

quarta-feira, 22 de julho de 2009

NICHA...MECÂNICO



Já contei esta "estória" noutro forum, mas porque se trata de um episódio engraçado, certamente desconhecido de alguns dos foristas e porque é seu protagonista um grande piloto que muito admiro e que dedicou a Angola muito carinho, não resisto à tentação de recontá-la aqui.

As "6 Horas" de 1972 decorriam num ambiente de grande animação com os Lolas T290 nºs. 10 e 9, da Ecurie Bonnier, a revezarem-se no comando.

Ao fim de hora e meia de prova, estes encostaram para reabastecimento e troca de pilotos e o nº. 9, mais rápido a sair, arranca com Nicha Cabral a comandar a prova, durante cerca de 20 voltas, com grande entusiasmo do público para quem ele era o piloto preferido.

Na terceira hora de prova, nova mudança de pilotos e Vic Elford sai com uma vantagem de quatro voltas sobre Claude Swietlick.

Estavam decorridas cerca de quatro horas, quando o Lola nº. 9, que havia cumprido a sua 131ª. volta, deixou de aparecer.

Não passou muito tempo e fui alertado pelos comissários de pista que o carro tinha avariado e estava a ser reparado por Nicha Cabral sob a orientação dos mecânicos.

Foi então que indagámos o que se estava a passar. Claude Swietlick quando seguia na segunda posição, já perto das boxes, viu um dos triângulos da suspensão traseira ceder e abandonou o carro na pista para desistir.

Mas Nicha não se conformou e seguindo as instruções dos mecânicos procedeu à substituição do triângulo, numa operação que levou cerca de uma hora.

E tudo isto se passou sem a intervenção do "famigerado" safety car que, na altura, felizmente ainda não tinha sido inventado, bastando a intervenção de um comissário com a sua bandeira amarela que, como se pode ver na fotografia, lá estava a avisar os outros concorrentes.

A minha preocupação foi indagar dos comissários se os mecânicos estavam a intervir na reparação, mas esclareceram-me que eles se limitavam a dar indicações ao Nicha de como devia proceder, sem tocarem no carro. Chamei-lhes a atenção para se manterem muito atentos pois os mecânicos não podiam dar qualquer ajuda que não fosse a que tinham prestado até à altura.

Concluida a reparação, Nicha levou o carro para as boxes para o entregar, de novo, a Swietlick, mas este recusou-se a continuar a prova num carro que não lhe merecia confiança pois não fora reparado pelos mecânicos e, assim, foi Nicha que a concluiu, terminando em 5º. lugar, debaixo do delírio de uma multidão que muito o admirava como piloto e ainda mais se entusiasmou com o facto de ele ter feito de mecânico para que o carro não abandonasse a corrida.

Se não fosse essa sua decisão, o Lola nº. 9, com as 131 voltas que tinha cumprido, não teria passado da 13ª. posição e isso se, aquela percentagem de voltas lhe desse para ficar classificado.

A convite do vencedor Carlos Santos, perante a alegria da assistência, Nicha acompanhou-o na volta de honra.

Passados dias, ao ver a fotografia que ilustra este artigo, verifiquei que havia cometido um grande erro e que deveria ter desclassificado aquele carro, pois o regulamento da prova permitia reparações fora das "boxes" mas apenas com ferramenta transportada a bordo e, ali, fora usado um macaco levado pelos mecânicos.

E, eu que sempre tentei ser rigoroso no cumprimento dos regulamentos e que não gostava de errar, desta vez senti uma grande alegria por ter cometido este erro.

Ninguém reclamara, o público delirou e teria sido não uma injustiça mas uma grande desumanidade desclassificar o Nicha depois de tanto esforço e entusiasmo numa entrega total para conseguir terminar a corrida.

Mas, voltemos ao dia da prova e ao episódio passado na distribuição dos prémios.

Chegada a hora de iniciar a cerimónia, verifiquei que os vencedores da prova e os componentes da "Ecurie Bonnier" não estavam presentes.

Como todos os horários haviam sido cumpridos, entendi que também aquele o seria e dei início à cerimónia com a intervenção dos vários oradores e eu prolongando a minha um pouco, na esperança de ver aparecer os faltosos.

Mas... nada!

Ainda pensei começar a distribuição pelos menos classificados para ver se, entretanto apareciam, mas sempre entendi, certo ou errado, que se deveria começar pelos melhores classificados.

Chamei os primeiros... não estavam; chamei os segundos... idem; quando cheguei ao quinto...aspas.

Estava a cerimónia a chegar ao fim, quando chegam os ausentes todos muito bem dispostos. Eu é que estava pior que estragado.

Georges Jost, director da Ecurie, com toda a sua diplomacia mostrava-se incomodadíssimo com o atraso, explicando que este se verificara porque o haviam informado que as distribuições nunca começavam a horas.

Eu, que estava irritadíssimo com o sucedido, disse-lhes que poderiam procurar , entre todas as taças, aquelas que lhes pertenciam e que os cheques dos prémios pecuniários os poderiam levantar, no dia seguinte, na secretaria da prova,

Naquele momento, o Nicha chegou ao pé de mim e, com uma voz cativante, disse-me: "Lacerda, não te merece um pouco de consideração eu ter sido mecânico na tua prova?"

Olhei para ele, sorri e... (eu que era tão intransigente) fiz uma nova distribuição de prémios dedicada aos faltosos à primeira chamada.

Ao contar esta pequena "estória" presto a minha singela homenagem ao Nicha por todas as provas de amizade recebidas e por todo o interesse sempre demonstrado pelas "6 Horas".

Contribuído por Armando de Lacerda, Quarta, 1 de Agosto às 11:56

terça-feira, 21 de julho de 2009

MISS PORTUGAL E AS 6 HORAS DE NOVA LISBOA



Em 1971, Maria Celmira Bauleth, natural de Moçamedes, ganhou o concurso de Miss Portugal, o que foi motivo de grande orgulho para os angolanos.

Como homenagem, a organização das “6 Horas de Nova Lisboa” endereçou-lhe um convite para assistir aquela prova como convidada de honra.

A Riquita, como era vulgarmente tratada, manifestou o desejo de aceder à distinção se, nessa data, se encontrasse em Moçamedes e tal lhe fosse permitido pela organização a que se encontrava ligada, ou seja, o semanário Notícia”.

Posto o assunto aquela entidade, rapidamente, recebemos uma resposta afirmativa, mas com uma série de condições que logo rejeitámos por inaceitáveis.

Na íntegra, “Notícia” exigia:

«Miss Portugal» assistirá como convidada à Prova «6 Horas de Nova Lisboa», não podendo ser utilizada em qualquer manifestação de carácter comercial ou publicitário – que teria de ser objecto de contracto específico;
«Miss Portugal» será acompanhada por uma pessoa de família e por um elemento da Organização (NOTÍCIA) a quem caberá a responsabilidade da aprovação do programa da sua estadia.
Os encargos, de vossa conta serão:- Transportes aéreos Moçâmedes – Nova Lisboa – Moçâmedes para 2 pessoas (Miss Portugal e pessoa de família);- Transporte aéreo Luanda – Nova Lisboa – Luanda, para um elemento da Organização;-
Alojamento, em Nova Lisboa, para 3 pessoas;
- 20 000$00 (vinte mil escudos) depositados, antecipadamente, num Banco de Nova Lisboa, a favor de Maria Celmira Bauleth ou NOTÍCIA – Semanário Ilustrado.


Apreciadas estas condições, achávamos correcto e não precisava sequer estar a mencioná-lo que ao Sporting Clube do Huambo coubesse a responsabilidade de passagens e alojamento para a Riquita e para uma pessoa de família que a acompanhasse.

Mas porquê a obrigatoriedade de agregar à comitiva qualquer elemento da “Notícia” porquanto, aceite as condições, estas seriam por nós respeitadas e a própria Riquita se recusaria a transgredir, não necessitando de um mentor ou fiscal a limitar-lhe os movimentos.

Porém, o que mais nos chocou foi a exigência de um autêntico “cachet” de 20 000$00 pela “exibição” de Miss Portugal como se se tratasse, não de uma convidada de honra, mas de um fenómeno que se mostra em circos.Lembrámo-nos da frase “não há dinheiro… não há palhaço” e, pelo respeito que a Riquita nos merecia, não houve mesmo “palhaço” como a “Notícia” a considerava.

Foi uma exigência muito infeliz e inoportuna, tornando-se mesmo ofensiva para uma Cidade que sempre acarinhou a mais bela das jovens angolanas e que nos era apresentada como objecto de negócio incompatível com as intenções que originaram o nosso convite.

Passado um ano, em 1972, ao iniciar a volta de honra, o Carlos Santos chamou o Nicha (que naquela prova, além de piloto, se estreara como “mecânico”) para o acompanhar.

Já com o carro em andamento, o Nicha viu a Riquita entre a assistência (não como convidada de honra, como havíamos desejado no ano anterior, mas como mera espectadora) e chamou-a também para o carro.

Durante toda a volta de honra, o Roger Heavens quase deixou de se ver, a assistência entusiasmada só gritava pelo Nicha e pela Riquita e o Carlos Santos comentava que ganhara a prova mas o público só aclamava os outros.

E foi assim que a Riquita impedida de ser convidada de honra em 1971, foi aplaudida e deu a volta de honra nas “6 Horas” de 1972.

E isto sem quaisquer custos para a organização…

Contribuído por Armando de Lacerda, Domingo 14, às 0:26

CONCLUSÃO DAS 6 HORAS INTERNACIONAIS DE NOVA LISBOA




Vamos hoje concluir a saga das "6 Horas" com a parte, para mim, mais desagradável.

Ao mesmo tempo que organizámos a prova de 1972, tentámos sempre, junto de outras organizações, a realização não de uma prova mas sim de uma temporada internacional.

Num congresso de turismo, que se realizou em Angola naquele ano, apresentámos uma comunicação sobre a importância do desporto automóvel no desenvolvimento do turismo e sugeríamos, exactamente, a realização de uma temporada internacional.

Portanto, esta foi sempre a nossa opinião e envidámos esforços para que os carros que fossem às "6 Horas" participassem igualmente noutras provas, desde que houvesse, como é lógico, uma comparticipação nas despesas.

Foram diligências baldadas pois apenas uma organização de Luanda aceitou a nossa ideia, mas dizendo que não lhes interessava os pilotos e carros propostos, oferecendo, por sua vez, a vinda de mais ou menos dez pilotos sul africanos contra uma comparticipação de seiscentos contos, importância muito elevada para a época, mais a mais para a presença de um número vago de pilotos.

A nossa posição foi sempre a de grande abertura com todas as outras organizações, embora defendendo sempre o prestígio e independência das "6 Horas" prova que, como dizíamos no artigo anterior, devido ao prestígio que estava adquirindo começava a causar inveja a outras organizações.

Na realidade, as "6 Horas" de 1972 tiveram um número apreciável de carros, mas verificámos, com alguma tristeza, que a Alfa-Romeo, sempre presente nas edições anteriores, primava pela ausência.

A Autodel, que até 1971 sempre tinha mostrado o maior espírito de colaboração, alegando impossibilidade devido à organização das "3 Horas de Luanda", não fez deslocar um único carro à nossa prova.

Em contrapartida, em certos órgãos de comunicação, desenvolveu-se uma campanha mentalizadora que os carros, que corriam em Nova Lisboa, estariam também em Luanda.

Ora perante a falta de colaboração a que nos referimos atrás, tentámos garantir que os concorrentes levados por nós só corressem nas "6 Horas", embora os dois carros do Team BIP tivessem participado também nas "3 Horas de Luanda" sem que tivesse havido qualquer comparticipação nas despesas que havíamos tido com a deslocação daquelas viaturas a Angola.

Foi com este ambiente que avançámos para as "6 Horas" de 1973.

A direcção do Sporting Clube do Huambo dizia que a prova tinha dado um prejuízo que punha em risco as futuras realizações.
Nunca vimos as contas e só há bem pouco tempo, numa tertúlia de automóveis realizada em Lisboa, pela voz do na altura presidente do Sporting, tomámos conhecimento que a prova de 1972 além do êxito desportivo tinha sido igualmente um êxito financeiro.

Era aquele o ambiente frustrante que se vivia quando surge uma proposta, por parte da Autodel, de uma organização conjunta.
Era uma pequena secção automóvel integrada num clube de futebol a competir com uma organização económica ligada aos automóveis e proprietária do autódromo de Luanda.

Perante a falta de apoio da direcção do Sportins que, com excepção do seu presidente, apenas olhava para os resultados financeiros, resolvemos ceder, conscientes que as "6 Horas" nunca mais seriam as mesmas pois estavam perdendo a sua independência.

O representante da Autodel propõe que nos desloquemos à Europa para contactar pilotos. Não vendo a necessidade daquela deslocação, pois sempre fizemos os contactos e a divulgação da prova sem sairmos de Angola e para poupar despesas, concordámos com a ida dele, mas com o compromisso que a divulgação dos pilotos, contratados com a nossa concordância, seria feita numa conferência de imprensa conjunta das duas organizações.

O representante da Autodel seguiu para a Europa e, como nós não quisemos, para poupar despesas, fez-se acompanhar de um sul-africano, André Werwey, que se encontrava a trabalhar na Autodel.

Este regressa sozinho a Luanda, convoca os órgãos de comunicação e, contra o que havia sido acordado, anuncia os pilotos que iriam correr em Angola. E nós, ao sermos contactados pelos jornalistas não sabíamos o que dizer, pois não tínhamos mais notícias do que as lidas nos jornais.

Os pilotos anunciados, contratados fruto de uma digressão pela Europa, não eram outros dos que, em 1972, nos haviam sido propostos, num pacote, por uma organização que nos contactou.

Esta situação que já não nos estava a agradar, veio a agravar-se com um episódio passado alguns dias.

Aproveitando a passagem do presidente do Sporting por Luanda, em regresso da África do Sul, almoçam juntamente com o representante de Benguela e anunciam, nos jornais, a realização de uma temporada internacional automobilística a realizar nas três cidades: Luanda, Benguela e Nova Lisboa.

Embora o presidente do Sporting ainda hoje afirme que não tomaria qualquer decisão definitiva sem antes nos consultar, considerando por isso a notícia abusiva, a verdade é que estávamos completamente ultrapassados e já nada tínhamos a fazer nas "6 Horas".

No Anuário da FIA de 1973 já se encontrava o traçado das 6 Horas de Nova Lisboa e o Sporting Clube do Huambo figurava como organizador internacional. A nossa missão estava concluída e a promessa feita ao aceitarmos tomar conta da secção automóvel estava cumprida pelo só nos restava pedir a demissão que foi o que fizemos.

As "6 Horas" ainda se realizaram em 1973 e 1974 integradas na temporada internacional e estas iniciativas foram importantes para o desporto automóvel em Angola. Não voltaram a ter pilotos qualificados, mas não deixaram de ter bons pilotos.

Mas, o mais caricato de tudo isto ainda estava para acontecer.

Dois dias após a nossa demissão, recebemos uma carta do ATCA a comunicar que, em virtude dos acontecimentos passados há mais de um ano no Circuito do Lobito (cujo processo , o presidente da comissão desportiva informara na última reunião DODA, fora arquivado) nos era aplicada a pena de exclusão de todo o desporto automóvel quer como dirigente, quer como participante.

Não lhes vou tomar mais tempo descrevendo este ridículo castigo.

Podia ter recorrido mas, tal como a Teresa Baptista de Jorge Amado, estava cansado da guerra. Não o fiz!

Se não fui amnistiado pelo 25 de Abril, ainda hoje estou castigado.

A partir dali, limitei-me a assistir a provas e a ler os jornais da modalidade, satisfazendo, desta forma, o meu amor por este desporto.

Só agora voltei a conviver, através dos foruns, com os verdadeiros amantes do desporto automóvel.

Em boa hora o fiz.

Eis a história das "6 Horas" que me haviam pedido.

O SONHO TINHA SIDO GRANDE DEMAIS.

Pode ser que, agora que o desporto automóvel volta a despontar em Angola, no Huambo onde também já se vislumbram umas tentativas de reorganização, venha a surgir não as "6 Horas Internacionais de Nova Lisboa" mas as "6 Horas Internacionais do Huambo" e que ali se venha a poder ver, de novo, máquinas e pilotos de alto gabarito

“Eles não sabem, nem sonham
Que o sonho comanda a vida”.


Contribuído por Armando de Lacerda, Sábado, 28 de Julho às 13:00

segunda-feira, 20 de julho de 2009

1972 - 6 HORAS INTERNACIONAIS DE NOVA LISBOA



Pequena história de uma das maiores corridas realizada em Angola.

Terminadas as "6 Horas" de 1971, imediatamente, começou a preparação das de 1972, pois era necessário impô-las definitivamente como prova internacional. Inundou-se tudo quanto estava ligado ao mundo automóvel de cartazes, selos, autocolantes e regulamentos.

O Carva, fotógrafo oficial da prova, costumava dizer, com algum exagero diga-se em abono da verdade, que havia duas coisas importantes em Nova Lisboa: Norton de Matos que fundara a cidade e as "6 Horas" que a deram a conhecer ao mundo.

Garantimos a presença de estrangeiros no colégio de comissários desportivos convidando Amadeu Girão, presidente da Comissão Desportiva Brasileira e Madame Renée Guillon-Wagner, vice-presidente da Federação Francesa do Desporto Automóvel. Esta última, apesar de todo o entusiasmo com que aceitou o convite que lhe fiz, na distribuição de prémios do Rali TAP/71, acabou por não estar presente por não ter obtido o visto de entrada em Angola.

Obteve-se o patrocínio da revista brasileira Auto-Esporte.

Mas, ao mesmo tempo que se reforçava a internacionalização da prova, outra grande dificuldade começava a levantar-se: o transporte das viaturas.

Abordada a TAP, fomos informados que não tinham condições para transportar os carros.

Contactámos, então, a South African Airways que mostrou uma enorme abertura, prontificando-se a patrocinar a prova e transportar carros e pilotos em condições verdadeiramente vantajosas para nós.

Quando pensávamos ter resolvido o problema, novo balde de água fria, ao recebermos a informação que a TAP, usando do seu direito de exclusividade, não autorizava o transporte pela South African.

"Passei-me" completamente e, num telex de 4 páginas, relatava tudo que se estava a passar ao presidente do conselho de administração da TAP, apelando para a resolução do problema.

Após dois dias sobre o envio do telex, vejo entrar pelo meu gabinete, com um ar sorridente, o meu amigo Eduardo Nascimento.Confesso que o tratei mal, dizendo: Vai-te embora que não quero ver ninguém, ligado à TAP, à minha frente.

O Eduardo respondeu-me que tivesse calma pois tinha-se deslocado de propósito a Nova Lisboa para resolver o problema e, logo ali, concordámos com as condições para o transporte de todas as viaturas e pilotos.

Mais uma vez, o Engº. Vaz Pinto não me desiludiu e graças ao seu interesse o problema foi resolvido.

Aproximava-se a data da prova e, a um mês da sua realização, tivemos a alegria de ler, na circular nº. 60 da FIA, que as "6 Horas" passavam a "prova internacional livre" o que significava que nela podiam participar pilotos qualificados pela FIA e que a sua classificação na prova pontuaria para essa qualificação.

Não podíamos oferecer melhor prenda às comemorações do 60º. Aniversário da cidade de Nova Lisboa.

De imediato divulgámos a notícia pelos órgãos de comunicação e, em seguida, recebemos um telefonema do ATCA a perguntar o que é que nos tinha passado pela cabeça para divulgar uma notícia daquelas.

É que nós assinávamos as circulares da FIA e, pelos vistos, o ATCA não e, portanto, desconhecia o que se passava.

Era a concretização de um sonho e as "6 Horas" realizaram-se com 42 pilotos e 21 carros, 7 dos quais com 14 dos pilotos transportados de avião, sendo 10 estrangeiros, entre eles 4 qualificados, e 4 do continente.

Rolf Stommelen, outro qualificado, embora estivesse inscrito não compareceu e o motor Capri enviado pela fábrica não pôde ser desalfandegado por dificuldades levantadas pelo director da alfândega.

Mas isso já não chegava para ofuscar a prova que foi um grande êxito, muito divulgado no estrangeiro e chegando o jornal "L'Equipe" a rotulá-la de o "Monte Carlo africano".

Ganha por Roger Heavens/Carlos Santos, em Chevron B/21, teve como segundo classificado Wicky Elford/Gerard Larrousse em Lola T290 que haviam comandado a prova desde o princípio, mas que avariaram a duas voltas do fim.

Na organização da prova estiveram envolvidos cerca de 300 pessoas que, em dois dias, tiveram uma actividade quase contínua.

O êxito da prova ficou a dever-se às entidades e empresas que a apoiaram, aos órgãos de comunicação que a acompanharam a par e passo, a todos os concorrentes que a valorizaram com o seu espírito desportivo e a todos que, com a sua vontade, espírito de sacrifício e conhecimentos, a edificaram e nos fazem sentir orgulhoso de nos terem dado a honra de aceitar a nossa coordenação.

Tinha-se conseguido atingir uma craveira muito elevada e mantê-la era o problema que surgia, pois este nível estava a causar muita inveja a outras organizações.

É esta história, do período mais difícil das "6 Horas". que deixamos para outro artigo, ficando agora apenas com o êxito das "6 Horas" de 1972.

Contribuído por Armando de Lacerda, Sexta, 27 de Julho às 1:26

6 HORAS INTERNACIONAIS DE NOVA LISBOA



Eles não sabem, nem sonham
Que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
O mundo pula e avança.


Na circular informativa de Novembro de 1972, a FIA publicava o seu calendário internacional para o ano de 1973.

Ao lado das "4 Horas do Estoril" e do "Grande Prémio do ACP", apareciam as "6 Horas Internacionais de Nova Lisboa".

Estas três provas eram as únicas portuguesas a que foi dada a classificação de "internacional livre".

Era o justo reconhecimento da entidade máxima do automobilismo para uma Cidade que muito fez em prol dos desportos mecânicos, projectando bem alto o nome de Angola no mundo.

Mas, para chegar ali quantas dificuldades, quantas más vontades, quantas contrariedades foi preciso vencer e ultrapassar.

É esta saga que vou tentar, embora resumidamente, contar correspondendo, assim, ao desejo manifestado por alguns foristas.

As "6 Horas de Nova Lisboa" nasceram em 1968 tendo, até 1970, como director de prova Franchi Henriques, Homem a quem o automobilismo angolano muito ficou a dever, pioneiro da modalidade em Nova Lisboa e presente em quase todas as provas realizadas em Angola.

Fui seu director-adjunto até 1970, ano em que a prova já teve participação estrangeira autorizada.

Franchi Henriques era um "bon vivant" qua aliava ao entusiasmo pelo desporto automóvel o prazer de conviver com os muitos amigos que tinha.

A organização da prova ocupava cada vez mais tempo e o Franchi começou a aborrecer-se com o tempo que esta lhe ocupava pois o seu grande prazer era a corrida em si e a convivência que a mesma proporcionava.

Após as "6 Horas" de 1970, pede a demissão de director, o Sporting Clube do Huambo faz-lhe uma grande homenagem e convida-me para dirigir a secção automóvel e, automaticamente, as "6 Horas".

Ao aceitar, prometi internacionalizar a prova e colocá-la no calendário da FIA e, com aquela promessa, desencadeei uma onda de dificuldades e incompreensões.
Estas, começaram logo que foi feito o pedido ao ATCA (Automóvel e Touring Clube de Angola) de internacionalização da prova.

Alegavam que nos bastava a categoria de "prova nacional com participação estrangeira autorizada" o que nos permitiria trazer pilotos de fora e que não podiam dar seguimento ao nosso pedido porque a designação de "grande prémio" estava reservada para Luanda como capital da província.

Respondia que apenas pretendia internacionalizá-la e vir a inscreve-la no calendário da FIA, não pretendo de forma alguma apossar-me da designação de "grande prémio" que compreendia ser reservado para Luanda.

Mas, o processo não andava e o tempo ia passando.

Foi então que resolvi escrever ao meu primeiro patrão, que era director do ACP, a expor-lhe a minha pretensão, as dificuldades que estava a encontrar e pedindo-lhe colaboração.

De imediato, recebi uma amável resposta desejando-me os maiores êxitos para a prova, mas que o processo teria que ser encaminhado através do ATCA pois o ACP, como eu devia compreender, não podia permitir ultrapassagens pela direita.

Esta foi a resposta que recebi, mas o que nunca cheguei a saber foi porque motivo, a partir dali, o processo avançou finalmente.

Penso que, embora o ACP não permitisse ultrapassagens pela direita, não deixou de ter uma certa interferência.A par deste avanço, começou o ATCA a exigir coisas que não pedia a qualquer outra organização.

Começaram por nos exigir um plano de segurança, sem o qual não podiam aprovar o regulamento.

E... o plano foi feito e apresentado tendo merecido os maiores elogios, entre os quais o do "Mundo Motorizado" que o considerou como um dos trabalhos mais perfeitos e completos no género.Gostaríamos de o descrever em pormenor, só não o fazendo para não tornar este artigo ainda mais extenso.

Estamos gratos por toda a espécie de dificuldades que nos levantaram porque, em vez de nos fazerem desistir, só serviram para nos levar a aperfeiçoar ainda mais aquilo que pretendíamos perfeito.

A imposição seguinte foi a de que as inscrições teriam de estar em poder do ATCA uma semana antes da realização da prova.Nunca o tinham exigido e nunca mais o voltou a ser.

Mas, também isso foi cumprido e respeitado, mesmo contra a vontade dos representantes daquele organismo à prova que, esquecendo o que haviam exigido, quiseram impor a inclusão de um carro não inscrito.

E, assim, chegámos às "6 Horas" de 1971.

Devido às dificuldades de embarque vários concorrentes, que haviam mostrado vontade de estar presentes, não concretizaram aquele desejo e, idos de fora, tivemos apenas dois carros.

Um Lola T/70 que, depois de várias peripécias dignas de serem contadas, lá fez a viagem do Brasil para Nova Lisboa e um Chevron B-8 que foi, por terra, da África do Sul.

Nos treinos, o Lola T/70, da dupla brasileira Norman Casari/Jan Balder, viu-se afastado da competição por avaria que não foi possível reparar e o Alfa/33, de António Peixinho/Christine Bekers, sofreu um despiste que o inutilizou para a corrida.

A prova ficava, assim, reduzida a 11 carros.

Na madrugada do dia da corrida, os dois pilotos brasileiros foram a minha casa, acordando-me às 4 horas, para proporem alugar um carro que lhes permitisse alinhar.

Sensibilizou-me aquele gesto, mas embora me custasse tive de lhes dizer que não podia autorizar porque o carro não estava inscrito e, por isso, o regulamento não permitia a sua entrada.

Também, como referimos atrás, já com os carros na grelha de partida, os delegados do ATCA quiserem impor o alinhamento de um GT/40. Apesar de todas as pressões, não o permiti.E se eu precisava de carros... mas, o regulamento tinha de ser cumprido custasse o que custasse.

A prova ganha por Mário Araújo Cabral/Hans Stuck, teve alguns momentos de emoção pela luta desta dupla com a dos sul africanos Jack Holme/Bruce Van Der Merwe.

E, assim, terminavam as primeiras 6 Horas Internacionais que, embora sem a participação que se pretendia, se impôs aos olhos do mundo como uma organização séria onde os regulamentos eram cumpridos. Isso mesmo foi referido com relevo pela revista brasileira "Auto.Esporte".

Terminadas as "6 Horas" de 1971, imediatamente começou a preparação das de 1972.
Era necessário impô-las definitivamente como prova internacional.

Mas temos que deixar isso para um próximo artigo pois este já vai muito longo.

Contribuído por Armando de Lacerda, Domingo, 22 de Julho às 12:41

domingo, 19 de julho de 2009

MIRA GODINHO – OBREIRO IGNORADO DAS 6 HORAS



Pequena "estória" de alguém a quem as "6 Horas de Nova Lisboa" muito ficaram a dever.

Hoje, vou falar de uma pessoa que, para muitos talvez desconhecida, é alguém a quem as “6 Horas de Nova Lisboa” muito ficaram a dever: Fernando Mira Godinho.

Conheci o Mira numa reunião de emergência em que se discutia o futuro das “6 Horas” e a sua possível condenação à morte.

A primeira edição da prova dera um prejuízo de vinte contos e o presidente do Sporting do Huambo, adepto apenas do futebol e que só via cifrões, não dava autorização para a sua continuação.
Estava-se naquela discussão quando o Mira, usando da palavra, garantiu que arranjaria aquela importância em publicidade e que, se o não conseguisse, punha o que faltava do seu bolso.

A princípio, por aquela conversa, pensei que seria algum angariador de publicidade e mal pensava eu, naquela altura, que se iria tornar no meu melhor colaborador e no meu maior amigo.

A partir dali, foi-se cimentando uma amizade muito grande e passámos a ser companheiros em todos os bons e maus momentos.

O Mira arranjou a publicidade num valor que excedeu a importância em causa, a segunda edição da prova realizou-se e, passado algum tempo, assumiu a presidência da direcção do Sporting.

Onde tínhamos tido um opositor à realização da prova passámos a ter alguém com quem podíamos contar em todas as circunstâncias.

Após a terceira edição, o Mira percebeu da necessidade de imprimir um maior dinamismo e mais organização para permitir o seu progresso e pediu-me para assumir a direcção da prova dado que o Franchi Henriques se encontrava saturado.

A nossa amizade foi sempre aumentando, embora entremeada de discussões terríveis todas elas relacionadas com a organização da prova, embora fora delas continuássemos inseparáveis amigos.

É que o Mira tinha de ser mediador e o grande apaziguador entre uma direcção do Sporting que só se interessava com o lucro que a prova poderia dar, pretendendo ganhar o máximo gastando o mínimo, e a direcção da corrida que pretendia o céu e a terra e, para isso, exigia que as receitas conseguidas com as provas fossem empregues em proveito das mesmas.

Como uma bola de ping-pong, o Mira enfrentava e tentava convencer a direcção a investir o mais possível e aguentava com as minhas fúrias que queria sempre mais e mais.

As discussões eram de tal forma violentas que chegámos a fazer um pacto de que, no dia a seguir às “6 Horas”, esqueceríamos tudo que pudéssemos ter dito um ao outro.
E foi sempre assim até à minha saída da direcção da corrida que abalou, temporariamente, as nossas relações, pois zangámo-nos e deixámo-nos de falar, mas a nossa amizade, embora o não parecesse, nunca deixou de existir.

Com a minha saída, o Mira reconhecendo que não tinha capacidade técnica para assumir a direcção da prova, teve a humildade de se dirigir ao ATCA e pedir à Comissão Desportiva que tomasse a direcção da mesma.

Foi ele o verdadeiro obreiro das “6 Horas” terem atingido a projecção que alcançaram, salvando-as primeiro da sua morte prematura, promovendo, em determinada altura, alterações para que atingissem maior dinamismo e projecção, batalhando depois, junto dos restantes membros da direcção, para obter as condições financeiras que permitissem que as minhas ideias se pudessem concretizar e tomando medidas, após a minha saída, para que a prova pudesse continuar.

Durante alguns anos, mantivemo-nos zangados e nem sequer me despedi dele quando regressei a Portugal.

Mas, apesar disso, a nossa amizade nunca diminuiu e, um dia, o Mira apareceu-me em Évora e deu-se a nossa reconciliação.

Abraçámo-nos como se nos tivéssemos visto na véspera e continuámos amigos até aos dias de hoje.

Na semana passada recebi um telefonema seu. Estava radiante!A convite do sobrinho, tinha voltado à sua querida Angola que ele tanto ama e ali tinha passado dois meses, em Luanda e no Huambo.

Dera entrevistas à Rádio Nacional de Angola e à Rádio Huambo sobre os seus tempos de futebolista e basquetebolista, mas sobretudo sobre as “6 Horas”.
No Huambo, as pessoas com quem falara referiam-se com entusiasmo às “6 Horas”, chegando alguém a dizer-lhe que já não o deixavam sair de lá sem voltar a fazer, de novo, aquela prova.

E o Mira justificava-se dizendo que as “6 Horas” não se faziam em meia dúzia de dias e que, antigamente, levavam um ano a ser organizadas, que não tinha ali a equipa que fizera a prova, que o asfalto existente não se prestava à sua realização, em conclusão que era um sonho ainda difícil de concretizar.

Fico feliz pela alegria que o Mira sentiu por esses dois meses na sua querida terra e por todo o entusiasmo que o rodeou.

Feliz e impressionado!

Impressionado como, passados trinta e tal anos, as “6 Horas” continuam bem vivas e se falam delas com entusiasmo.

Impressionado quando encontro pessoas, que eram crianças na altura, cheias de recordações e falando com entusiasmo das corridas daqueles tempos.

Impressionado quando, após tantos anos difíceis e de sacrifício porque Angola passou, o amor pelos automóveis não morreu, continua bem vivo e, a pouco e pouco, por todo o país vão surgindo corridas com o mesmo entusiasmo de outrora.

Impressionado quando tomo conhecimento que o Governador do Huambo, em reunião com a pessoa que está tentando reorganizar este desporto naquela cidade, lhe pede que ponha de pé as “6 Horas” no mais curto espaço de tempo. E. ao impressionar-me desta forma, o meu pensamento vai para todos aqueles que disputando as corridas nas pistas, na organização das provas com mais ou menos defeitos, nos bastidores dando-lhe todo o apoio necessários ou nos jornais e na rádio promovendo a sua divulgação, tornaram possível que este entusiasmo se mantenha vivo ao fim de tantos anos.

Aqueles homens com quem tive a honra de conviver e de granjear amizades, sem sequer darem por isso, estavam a fazer história.

Eles fizeram de facto história… história que se mantém bem viva nos dias de hoje.

E entre esses homens está o Fernando Mira Godinho.

Contribuído por Armando de Lacerda, Quinta, 27 de Dezembro de 2007 às 11:05

Passado algum tempo de ter inserido este “post” no fórum do AutoSport tive de voltar a falar dele

UM DOS PILARES DAS "6 HORAS INTERNACIONAIS DE NOVA LISBOA" REGRESSA AO HUAMBO

Há tempos, coloquei aqui um "post" em que, a propósito de um telefonema que havia recebido do meu Amigo Fernando Mira Godinho, relatei as férias que ele passara em Angola e contava como ele tinha sido um verdadeiro pilar na construção das "6 Horas Internacionais de Nova Lisboa".

Há dias, recebi outro telefonema dele a despedir-se pois resolvera regressar definitivamente à sua Angola e ao seu Huambo.

Quando ali tivera de férias, aproveitara para tirar o seu bilhete de identidade de cidadão angolano e, assim, ao fim de trinta e dois anos de exílio, o Fernando regressa à sua terra de origem que tanto ama.

Senti-me feliz por ele mas, ao mesmo tempo, apoderou-se de mim uma enorme tristeza pois a distância ia afastar-nos, possivelmente, em definitivo.

Mas como, tal como dizia Fernando Pessoa, "tenho em mim todos os sonhos do mundo" despedi-me dizendo-lhe que, em breve, o iria visitar.

E o Mira feliz e sempre prestável respondeu-me: "e tens cama, mesa e roupa lavada garantida.

Sei que, apesar de ter em mim todos os sonhos do mundo, este será muito difícil de concretizar ... mas vale sempre a pena sonhar.

A última vez que estive com o Mira Godinho foi em Maio, quando o fui buscar para irmos ao encontro dos automobilistas angolanos que se realizou no Bombarral.

Ali, o António Peixinho fez questão de homenagear-me e ao Mira afirmando que nós tínhamos sido autores das melhores corridas que se realizaram em Angola.

Como foi bom o Peixinho ter tido esta lembrança pois, assim, o Fernando leva uma boa recordação de Portugal e sabe que o seu valor foi reconhecido.

O Fernando Mira Godinho regressou ao seu querido Huambo.Está um pouco depauperado e já não tem os meios e relações que tinha quando, juntos, construímos as "6 Horas". Mas tem, dentro dele, ainda muito entusiasmo e uma vida passada cheia de actividade em prol do desporto.

Que os entusiastas do desporto automóvel, que no Huambo tentam dar nova vida a esta modalidade, saibam aproveitar tudo que o Mira Godinho ainda lhes pode dar.
Será bom para o desporto automóvel e também para o Mira Godinho que bem merece.

Contribuído por Armando de Lacerda , Sábado 19, às 18:24

Quando inseri este “post” disse que o sonho era difícil de concretizar mas, em Maio passado, ele teve prestes a ser uma realidade quando na realização de corridas no Huambo, ao fim de trinta e cinco anos, houve uma movimentação em Angola para que eu tivesse presente.

E quando tudo fazia prever que o sonho se tornaria realidade a não chegada de um visto impediu que tivesse tido essa grande alegria.