Apesar de todas as dificuldades já apontadas no capítulo anterior chegámos à inauguração da feira.
O número de participantes que aderiram à iniciativa era suficiente para assegurar um grande certame. Este número foi conseguido graças à amizade que consegui fomentar no meio deles mas, como já o disse anteriormente, também à grande confiança que existia, apesar de tudo, no futuro de Angola.
E a provar o que digo está o facto de um dos expositores ter aproveitado todo o plafond de importação que, como feira internacional, possuímos para importar material vindo de Itália para Angola. E o volume era tal que chegou para encher todo um dos pavilhões da feira, destacando-se uma estação completa de lavagem automática de carros.
Só me comecei a preocupar se estaria tudo pronto a horas da inauguração quando começou o período de montagem da feira.
Era um hábito, que já me acostumara a viver, dos decoradores, durante o dia, pouco ou nada fazerem. Chegavam tarde e pelo dia fora confraternizavam uns com os outros, só começando a trabalhar já tarde e continuando pela noite fora. Era um costume habitual em todas as feiras e que em 1975 não foi alterado.
O pior é que quando começavam a trabalhar, por volta da meia-noite, começou a ser costume ouvirem-se, embora longe, uns rebentamentos de granadas e algumas rajadas de metralhadoras. E isso apavorava-os um pouco e iam-se deitar deixando o trabalho para o dia seguinte.
Esta alteração nos hábitos antigos deixava-me receoso que os trabalhos não se acabassem antes da inauguração. Mas tudo se foi compondo.
Nesse ano, para que ninguém ficasse melindrado ofereci a cada movimento denominados de libertação, módulos para também estarem presentes como expositores.
E com todos os trabalhos concluídos, a feira foi inaugurada na data prevista com a presença dos membros do então governo de transição. O primeiro-ministro, na altura da Unita, e o Secretário da Cultura, Manuel Rui Monteiro, do MPLA.
Pouco tempo antes da inauguração tive que discutir com os representantes dos movimentos que me queriam obrigar a retirar a bandeira portuguesa hasteada à entrada do certame e substitui-la pelas dos seus movimentos. Tive que lhes lembrar que, por enquanto, ainda estávamos em território português pois a independência era só em Novembro, altura em que esta bandeira deixaria de flutuar em Angola. Até lá teriam de a aceitar.
O problema foi ultrapassado e a inauguração decorreu sem mais incidentes.
O presidente da Associação felicitou-me por ter sido eu a pessoa a quem se ficou a dever esta realidade de que ele chegara a duvidar e respondi-lhe que eu nada teria conseguido sem o valioso contributo de todos os expositores.
Os jornalistas vindos de Luanda admiravam-se com a paz que reinava em Nova Lisboa quando na capital havia constantemente confrontações entre os três movimentos.
No dia seguinte, realizou-se o almoço oferecido a todos os expositores e para o qual não deixámos de convidar os representantes dos três movimentos.
E os dias iam correndo e a feira abrindo todas as noites, sendo visitada pelas pessoas embora em menor número do que era habitual nos anos transactos. Mas o ambiente era de paz nada fazendo prever que a tormenta estava prestes a rebentar.
De um dia para o outro tudo desmoronou repentinamente. Um dia tomámos conhecimento que a polícia havia sido desarmada e nessa noite a feira já não teve policiamento.
No dia seguinte telefonei para falar com o comandante da polícia e fui remetido para alguém que me disse chamar-se Hoggi Hend e que era o novo comandante que me informou já não existir polícia e automaticamente policiamento para a feira.
Apesar de tudo ainda mandei abrir a feira naquela noite e deu-se um acontecimento que me fez ver que já não havia condições de continuar.
As recepcionistas da Feira eram jovens estudantes que todos os anos me pediam para fazer aquele serviço de que gostavam bastante e lhes proporcionava ganharem algum dinheiro, Entre elas encontrava-se a minha filha.
Nessa noite, um comandante da FNLA que se denominava pomposamente Che Guevara, mandou uma das suas colaboradoras dizer à minha filha que fosse ao stand deles pois ele pretendia-lhe falar. Minha filha aflita telefonou-me para o comissariado e fui eu que fui falar com ele dizendo-lhe que se pretendesse alguma coisa se dirigisse à recepção da Feira pois as recepcionistas não tinham autorização para irem aos stands.
Vi, na altura, que já não havia condições de prolongar o certame até ao dia do encerramento. Chamei o encarregado do armazém, disse-lhe que me ia embora com a família e as restantes recepcionistas, sem dar nas vistas, e que encerrasse
a feira à hora normal mas que já não a abrisse no dia seguinte.
Na manhã seguinte comuniquei à Direcção da Associação a deliberação que tinha tomado que mereceu a sua inteira concordância.
A Finol/75, único certame que se realizou naquele ano em Angola conseguiu ter a sua inauguração na data anunciada mas já não teve o seu encerramento na data prevista.
Nesse mesmo dia, Nova Lisboa começava a ser invadida por caravanas de camionetas e por centenas de refugiados com todos os seus dramas.
Assim terminava a última feira que se realizou em Angola.
No próximo episódio relatarei o que foram os 19 mais longos dias da minha vida.
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Só quem passou por isto, é que sabe o que é ver o "mundo de pernas para o ar"...
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