domingo, 19 de julho de 2009

O SONHO E A OBRA – 1949 - AMÉRICA




É conhecido o fascínio que o sonho americano sempre exerceu em Enzo Ferrari.

Através das suas memórias, ele conta-nos como o ítalo -americano Ralph de Palma, que fez fortuna nos Estados Unidos e ganhou as 500 Milhas de Indianapolis, o impressionara, quando jovem, e pesara na sua decisão de ser piloto.

É influenciado ainda pelo encanto dos grandes turismos americanos mais conhecidos que opta pelos motores V12 para os seus primeiros carros.

É natural, pois, que nos seus objectivos estivesse também a conquista do mercado dos Estados Unidos pelos seus carros.

Porém, a sua primeira digressão extra europeia faz-se não aquele país mas à Argentina e ao Brasil.

A Argentina desde Janeiro de 1947, aproveitando a paragem das provas europeias devido ao Inverno, organizava uma temporada automobilística.

Em 1947 e 1948 a Ferrari não teve possibilidades de estar presente.

Em 1949, Adolfo Orsi, um industrial de Modena interessado na possibilidade de exportar maquinaria para a Argentina, aproveitou o convite que lhe fora dirigido para enviar três Maseratis aquela temporada, tripulados pelos pilotos Ascari, Villoresi e príncipe Bira.

Ferrari que nutria grande rivalidade com "os do outro lado da Via Emília", (a Scuderia Ferrari quando foi criada instalou-se na Via Emília e a Maserati encontrava-se a uma pequena distância do outro lado da via e daí a expressão não mais esquecida de como era referenciada a equipa rival) e como dispunha agora de automóveis de facto competitivos, decidiu não perder a oportunidade de também estar presente com uma pequena representação.

Assim, foi preparado um monoposto de 1 500 cm3, um motor sobressalente de dois litros e uma caixa com peças e ferramentas que seguiram com os mecânicos Storchi e Salvarani e o piloto Nino Farina.

Esta pequena representação, participou em quatro corridas na Argentina e duas no Brasil, obtendo uma vitória e um segundo lugar.

Nestas provas, o chassis apresentou alguns problemas de resistência e suspensão mas o motor mostrou-se bastante fiável fazendo quatro corridas, pois apenas em duas foi usado o de dois litros com compressor destinado à fórmula livre e nenhuma das desistências ocorridas foi originada por falhas de qualquer dos motores.

Estas corridas tiveram em vista, além de desenvolver o monoposto face ao campeonato de fórmula 1 que se aproximava, tornar conhecida a marca em dois países com forte presença italiana.

A EPOPEIA DO 166
1949 pode-se considerar o mais brilhante do primeiro Ferrari de série.

De facto, o 166 na versão Mille Miglia com carroçaria "barqueta", nesse primeiro ano de intensa actividade, ganha todas as provas europeias de resistência.

Começa por repetir a proeza do ano transacto ao vencer o Targa Florio, circuito da Sicília disputado a 20 de Março, com Clemente Biondetti que, desta vez, tinha como segundo piloto Benedetti, à média de 81,53 km/h.

Isto foi apenas o princípio pois Biondetti, um dos melhores estradistas de todos os tempos, a 24 e 25 de Abril vence as Mille Miglia, prova que terminou com 182 dos 303 concorrentes inscritos.

Acompanhado do mecânico Ettore Salami, Clemente Biondetti percorreu os 1 593 quilómetros desta clássica competição a uma média superior a 131 km/h, derrubando o seu recorde do ano anterior que tinha sido de 121 km/h.

Mas as vitórias dos 166 não terminam aqui pois, a 26 de Junho, outro grande piloto, Luigi Chinetti, numa viatura propriedade do britânico Lord Seldson que fez equipa com ele, ganha as míticas 24 Horas de Le Mans batendo uma série de pilotos ingleses e franceses conduzindo carros de cilindrada superior.

Esta vitória não satisfez Chinetti que, apenas duas semanas depois, a 10 de Julho, se apresenta nas clássicas 24 Horas de Spa, desta vez acompanhado do piloto francês Jean Lucas.

No difícil e perigoso circuito das Ardenas, a sua 166 MM percorre os 3 033 quilómetros à média de 126,613 km/h, vencendo a corrida.

Mas o motor 166 honrava também as versões monoposto de fórmula 2 de alimentação atmosférica e a de fórmula livre com compressor.

Gigi Villoresi impõe-se no Grande Prémio de Bruxelas, no mês de Maio, e novamente no Grande Prémio de Roma que ganha, seguido de Tarufi, Cortese e Riguetti todos com carros iguais.
Ascari vence em Bari, seguido de quatro Ferraris idênticos.

PILOTOS OFICIAIS E CLIENTES
Entretanto, em Maranello, o trabalho prosseguia em ritmo acelerado, não só porque havia de preparar os carros para as numerosas competições de todas as categorias como porque estava em curso a afinação do motor de fórmula 1 sobrealimentado como o atmosférico com aumento de cilindrada e potência destinado a carros de grande turismo e desporto.

Durante a época desportiva de 1949, a Ferrari participou num elevado número de competições quer através dos seus pilotos, quer dos seus clientes a quem era garantida a assistência em termos de afinação e estratégia.

A descrição completa de todas as corridas foi reunida num anuário destinado a tornar-se um clássico e intitulado "Victoires - Affermazioni - Victories" onde constam 51 corridas com 32 vitórias, 19 segundos lugares e 12 terceiros, com 149 carros inscritos o que dá uma média de quase 3 por corrida.

O anuário alternava fotografias dos melhores pilotos com páginas de publicidade dos fornecedores de componentes para os carros de Maranello.

Enzo Ferrari estava consciente que os melhores aliados eram os fornecedores de componentes, além dos combustíveis e lubrificantes. Este conceito prevalece ainda válido passados mais de sessenta anos.

Merece a pena lembrar que todos os automóveis, sucessos e anuários nasceram de uma pequena indústria no coração da Via Emília com uma só linha telefónica, Maranello 94, número que ainda hoje se encontra no 949111 da moderna e sofisticada central da Ferrari.

O novo campeonato do mundo aproximava-se e a Ferrari tinha conseguido o êxito de ter na sua "scuderia" dois dos mais famosos pilotos da época: Ascari e Villoresi.

Farina, entretanto, havia regressado à Alfa Romeo e ninguém sabia o que Fangio faria. A única certeza é que dominava com facilidade qualquer carro que conduzisse e poderia ganhar corridas na Maserati ou na Ferrari desde que integrado em qualquer das equipas.

O 125 GP TIPO 49
Os monopostos para a fórmula 1 estavam prontos com a primeira versão de 125 GPC (Grande Prémio com Compressor).

Ascari tinha vencido o Grande Prémio da Suiça, a 3 de Julho, classificando-se Villoresi em segundo.

No Grande Prémio de França, a 17 de Julho, Peter Whitehead obteve um terceiro lugar e, a 31 de Julho, Villoresi vence o Grande Prémio da Holanda.
No International Trophy Race, a 20 de Agosto em Silverstone, contra uma concorrência qualificada da Maserati, Era e Talbot, Ascari vence e Villoresi fica em terceiro.

A 25 de Setembro, Peter Whitehead vence o Grande Prémio da Checoslováquia.

Mas o grande problema, e que muito preocupava Enzo Ferrari, era que a Alfa Romeo iria apresentar, no campeonato mundial de pilotos de 1950, o seu 158 e Enzo sabia que os cerca de 200 cavalos dos motores dos seus monopostos não seriam suficientes para fazer frente à sua rival.

Foi estudada nova versão designada por 125 GPC tipo 49 que divergia da utilizada nas primeiras competições do ano.

Alterado o chassis de forma a obter uma maior estabilidade, melhoradas as suspensões e um novo motor com compressor de dois estágios, permitiram um desenvolvimento que garantia pelo menos 245 cavalos.

Foram preparadas duas unidades da nova versão para o Grande Prémio de Itália (Europa), realizado em Monza a 11de Setembro, para Ascari e Villoresi e três carros da versão anterior para Sommer, Bonneto e Whitehead.

Ascari partiu da pole e venceu, repetindo a proeza de seu pai em 1924 que havia ganho com um Alfa Romeo.

Villoresi partiu a caixa, mas o verdadeiro problema não foi revelado.

A melhor volta de Ascari tinha sido de 2'06"4/5, quando o melhor tempo do Alfetta 158 realizado em testes (a Alfa não esteve presente em Monza) por Consalvo Sanesi era de 2'00"2/5.

Os 125 GPC tipo 49 eram muito mais rápidos que os do tipo 48 pelo que o resultado da corrida era encorajador mas, na realidade, face às notícias filtradas de Milão as perspectivas para 1950 eram preocupantes.

Mas, Ferrari tinha sempre algum truque que lhe permitia tirar um trunfo da manga.

O MOTOR LAMPREDI
O jovem Lampredi apostava num motor atmosférico V12 de 4,5 litros que seria a melhor solução técnica para a fórmula 1, perfeitamente capaz de bater os oito cilindros de 1 500cm3 super comprimidos da Alfa Romeo, e que poderia fazer o seu aparecimento em 1950, dadas as dificuldades encontradas no desenvolvimento do motor sobrealimentado.

Assim, Lampredi, dada a sua experiência na indústria aeronáutica, propôs a Ferrari que se seguisse um caminho contrário ao que vinha sendo seguido, proposta que considerava inteiramente possível.

Ferrari aceitou a solução apresentada não só por causa do potencial de competição mas, também, porque via nisso uma abertura para os grandes carros ideais para o mercado americano que Chinetti estava pronto a abrir.

Este motor V12 seria, assim, a primeira criação do novo coordenador para a primeira metade de 1950.

Era um projecto inovador com uma carcaça de alumínio oca mas, contudo, bem resistente e capaz de suportar as forças de torção geradas dentro do bloco de cilindros, sem se deformar.

A primeira versão do novo motor tinha uma cilindrada unitária de 276,86 cm3 e total de 3822 cm3 para o qual foi escolhido o número 275 para definição do tipo, arredondando o número, o que aliás sempre era feito, para torná-lo mais fácil de recordar.

PRODUÇÃO E VENDA
Com toda a sua actividade desportiva e de investigação, era quase um milagre ter recursos para ainda fabricar carros para a sua clientela pequena mas crescente.

Esta possibilidade devia-se aos métodos organizativos da Ferrari e à disponibilidade dos novos clientes serem, na prática, pilotos de testes dos novos modelos.

Os nomes de Sterzi, Besana, Bianchetti e Vallone estão entre os primeiros dos seus clientes que tentavam correr com os seus carros.

Havia outros como Chinetti e Cornacchia que compravam carros para correr, mas também para fornecer aos seus clientes.

Os dados de 1949 indicam 21 carros produzidos para venda, além dos protótipos de novos modelos e versões de corrida.

A série de vitórias alcançadas no seu terceiro ano de existência é já uma significativa indicação da importância que o "Cavallino" iria ter no mundo automóvel

NOTA: Este "post" é um resumo livre e aumentado do capítulo respeitante ao ano de 1949 da obra "L'Opera i il sogno".

Contribuído por Armando de Lacerda , Terça, 25 de Novembro às 15:59

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