terça-feira, 14 de julho de 2009
RECORDANDO A AVÓ PALMIRA
Sendo este blog um “voando no tempo” em busca de recordações tem de incidir, forçosamente, em dois temas principais, o teatro e o automobilismo, as duas grandes paixões da minha vida.
E como ao longo destes quase oitenta anos de vida tive o privilégio de conhecer algumas grandes figuras das artes e do desporto, elas irão ser trazidas aqui com muita saudade visto a grande maioria já ter desaparecido deste mundo, embora continuem vivas através das nossas recordações.
Assim, não posso deixar de recordar a Avó Palmira pelo muito que apreciei a sua arte e pela amizade que soube fomentar no pouco convívio que tivemos.
Palmira Bastos foi a esposa do segundo casamento do meu Bisavô Sousa Bastos.
Tomei conhecimento, desde muito novo, que os descendentes do primeiro casamento tinham convivido bastante antes de, por motivos que nunca conheci, se terem incompatibilizado.
Minha Avó Joana tinha sido uma enfermeira dedicadíssima quando Palmira Bastos sofreu uma grave intervenção cirúrgica.
Meu Pai, um interno romântico durante toda a sua vida, frequentava com assiduidade a casa de meu bisavô e, ainda muito novo apaixonou-se por uma sua tia, uma das duas filhas de Palmira Bastos.
Amor arrebatado de dois adolescentes que os levou a tatuarem o nome de um e do outro nos seus braços, tatuagem que ficou para o resto da vida.
Desde criança que me habituei a ver no braço de meu Pai o nome de Alda que, a princípio não sabia o que significava, tomando conhecimento mais tarde da sua origem, assim como vim a saber que minha Tia-Avó nunca mais deixara de usar mangas compridas para esconder o António que tinha tatuado no seu.
Ao longo dos anos, apreciei inúmeras vezes o talento da Avó Palmira e sentia uma tristeza muito grande de, por motivos que ainda hoje desconheço, estar privado de poder falar com quem tanto admirava.
Já casado e com dois filhos na altura, uma noite, conversando no camarim com o meu amigo Pedro Lemos, director de cena do Teatro Nacional D. Maria II, este surpreendeu-me perguntando-me se não gostaria de conhecer a D. Palmira Bastos, certamente depois de já ter falado com ela. Foi difícil esconder todo o meu entusiasmo e ele disse-me para ir ter ao teatro no dia seguinte à tarde.
Nessa noite mal dormi e, no dia seguinte, à hora aprazada lá estava eu no teatro cheio de entusiasmo por ir falar com a grande Dama do Teatro Português, mas, ao mesmo tempo, temeroso por não saber como ia ser recebido por alguém que estava de relações cortadas com o resto da família e porque ouvia dizer que era, de certo modo, inacessível pois mantinha-se num pedestal em relação aos outros artistas. Confesso que o temor se misturava com o grande desejo que tinha de a conhecer.
Para surpresa minha, recebeu-me com toda a simplicidade e um certo carinho, numa imagem totalmente diferente daquela que me haviam habituado a ter dela.
Perguntou-me de quem era filho e, quando lhe disse, quis saber em pormenor como estava meu Pai, ao mesmo tempo que me perguntou pela minha Avó e por meus tios.
Disse-me saber do meu interesse pelo teatro, perguntando-me se não gostaria de enveredar pelo profissionalismo.
Como lhe respondi que já era tarde para pensar nisso porque tinha mulher e dois filhos para sustentar, respondeu-me que havia muitos actores nestas condições e nem por isso desistiam.
Quando lhe expressei toda a admiração que tinha pelo seu grande talento, respondeu-me que aquilo era apenas a prática de muitos anos e das centenas de personagens que interpretara.
Que tarde maravilhosa que passei e que encantadorA era aquela velhinha na sua simplicidade, tão diferente de tudo aquilo que ouvira a seu respeito.
A partir dessa tarde, passei a visitá-la, algumas vezes no seu camarim, e sempre me recebeu com imensa simpatia, embora muitas vezes bastante cansada pelo grande esforço na interpretação dos papéis já demasiado grandes para a sua idade.
Recordo que uma noite passava na porta dos camarins quando parou um carro e a Avó Palmira saiu dele com alguma dificuldade. Dei-lhe o braço e levei-a até ao teatro pois caminhava com algum esforço. Quem a visse, passado pouco tempo, no palco com toda a sua vivacidade não podia fazer ideia da dificuldade que ela já tinha em andar. Que grande sortilégio o do palco.
O seu último êxito foi nas “Arvores Morrem de Pé” que, ainda hoje, a televisão, de vez em quando, transmite.
Estreou-se em 1890, tendo interpretado todos os géneros de teatro.
A sua última peça, em 1966 já com 91 anos, foi “O Ciclone” representado no Teatro S. Luís.
Hospitalizada, pouco depois, e sem poder falar escreveu um bilhete em que dizia: “Palmira sem fala mais vale morrer”. Foi a sua última mensagem.
A 10 de Maio de 1967 o teatro português perdia esta grande actriz.
E, eu, lamentando não ter podido conviver mais tempo com ela, recordo com muita saudade todo o seu talento e toda a simpatia que irradiava.
Nas “Árvores morrem de pé”, em determinada altura, dizia: “Morta por dentro, mas de pé! De pé como as árvores. Infelizmente a idade não permitiu que assim sucedesse e acabou numa cama de hospital.
Avó Palmira, passados quarenta e dois anos sobre a sua morte, continua bem presente no meu coração recordando tudo aquilo que me deu no palco e, sobretudo, nos momentos de convívio que me proporcionou.
OBRIGADO!
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
ERRATA:
ResponderEliminarOnde escrevi trisâvo Sousa Bastos queria dizer Bisavô.
Do lapso peço desculpa.
Ola... Sousa Bastos era tio do avô do meu marido... Manuel Esteves
ResponderEliminar