Este fim-de-semana foi de tristes surpresas que bastante me fizeram sofrer.
Ao deparar num fórum com a notícia da morte de Emídio Poiares e procurando na net saber as causas de seu falecimento, deparo com a notícia da morte de Carlos Pinto Leite.
Pinto Leite era um Homem bom com modos, por vezes, bruscos mas com um coração de ouro. Com ele tive o prazer de trabalhar e de estreitar os laços de amizade.
Entusiasta do desporto automóvel, participou como piloto nas primeiras “6 Horas” e apoiou todas as edições com substanciais subsídios.
Colaborei com ele na organização do I Salão Automóvel de Nova Lisboa e no Concurso de Elegância com que finalizou aquela iniciativa.
Em 1971, sabendo que eu, devido à transferência dos serviços da Companhia Mineira do Lobito de Nova Lisboa para as minas do Jamba, pensava ficar em Portugal quando viesse de graciosa, ofereceu-me o lugar de comissário da feira daquela cidade.
Fez-me uma proposta tentadora e como eu, que sempre que discuti condições de trabalho pouco reagia a elas por me sentir como uma mercadoria, aceitasse todas as condições sem qualquer reacção, concluiu dizendo: “Se calhar ficou prejudicado mas não fez qualquer contra proposta. Olhe se pretendia melhores condições não fosse burro!
Assim se iniciaram as nossas relações de trabalho.
Colaborei já na montagem da Fonol de 1971, a título gracioso, só vindo de graciosa no dia a seguir à sua inauguração.
Regressado a Nova Lisboa, já em 1972, iniciámos uma estreita e agradável colaboração de que resultou a internacionalização do certame. Quando a Associação, de que ele era Presidente, ficou sem secretário-geral acumulei aquele cargo durante algum tempo, embora graciosamente, aproveitando para organizar os seus serviços de contabilidade.
Ofereceu-me ficar como secretário-geral mas eu preferi continuar como comissário da feira, lugar que me seduzia dadas as pretensões que tinha de transforma-la num grande certame mundial.
Durante toda a nossa convivência só uma vez receei que as nossas relações esfriassem e pudessem ter até resultado preocupante para mim, sinal de que, na altura, não conhecia ainda bem toda a estatura íntegra de Carlos Pinto Leite, motivo porque não quero omitir este episódio.
Um dia, telefonou-me perguntando-me se podia passar pelo seu gabinete, pois precisava falar comigo.
Imediatamente me meti no carro e fui falar com ele.
Ali chegado, perguntou-me se eu conhecia a FUA (Frente Unida de Angola formada após o 25 de Abril) e ofereceu-me um impresso com as bases programáticas daquele movimento dizendo: “Isto mais parece um breviário do que um ideário”.
E, de seguida, relatou-me a conversa que tinha tido com o Engº. Falcão, principal dinamizador daquele movimento, que falando no aspecto que o mesmo tinha de ser um movimento de capitalistas pensara que eu, por ser bastante conhecido em Angola, seria a pessoa ideal para encabeçar o movimento em Nova Lisboa o que atenuaria aquela ideia generalizada.
Fiquei perplexo e ao mesmo tempo preocupado pois embora me custasse negar um pedido do Pinto Leite não me sentia nada motivado por este movimento com o qual não me identificava e, como defesa, perguntei-lhe se me dava 24 horas para pensar.
Saí dali deveras preocupado e reuni a família dizendo o que se passava, como aquela proposta me violentava e os riscos que corria com uma negativa que até podia pôr em causa o meu emprego.
Sensibilizou-me a compreensão de minha mulher e dos meus filhos mais velhos que me deram todo o apoio dizendo que não devia fazer nada que fosse contra as minhas convicções.
No dia seguinte dei a desculpa ao Pinto Leite de que era português e não queria envolver-me no processo político angolano.
Respondeu-me que tinha pena de não aceitar mas que ficávamos amigos como dantes o que veio a demonstrar quando do nosso regresso a Portugal.
Na véspera da nossa vinda de graciosa, a TAAG deixou de fazer escala em Nova Lisboa em virtude da Unita lhe ter apreendido um avião naquela cidade.
Estávamos preocupados no aeroporto, correndo o risco de não podermos seguir viagem, quando inesperadamente aterrou um táxi aéreo da CTA que havia sido requisitado por umas pessoas que não apareceram.
O Pinto Leite, sócio daquela empresa, que se encontrava também no aeroporto disse-me para aproveitar o transporte e assim pudemos seguir para Luanda.
Soube mais tarde que este seu gesto lhe trouxera complicações com a Unita que pensara prender-me naquele dia como o fez indo-me buscar naquela tarde à Associação. Mas era tarde pois atrasaram-se e eu já partira.
Regressado a Portugal, mais tarde que eu, quis falar comigo para me oferecer um lugar na sua empresa no Porto, preocupado como estava em colocar todos que haviam trabalhado com ele.
Gostava de ter aceite mas já tinha a minha vida estabilizada em Évora, com a minha filha a estudar na universidade desta cidade e não pude aceitar.
Desde aí todos os anos, pelo Natal, me telefonava, embora por vezes eu tenha conseguido antecipar-me, a saber como estávamos e a desejar boas festas.
Por duas vezes, uma delas em que fez questão que fosse seu convidado, estivemos no Bombarral no encontro dos homens dos automóveis de Angola.
No último Natal, foi a única vez que não tivemos oportunidade de falar. Eu porque andava preocupado com a doença já muito grave da minha da minha mulher e ele, possivelmente, já o não fez devido ao seu estado de saúde ou se ainda o fez não me encontrou em casa por eu já estar em casa de minha filha.
Era um grande Homem e um grande Amigo que recordo com muita saudade e dor por já não pertencer ao mundo dos vivos.
Angola e o desporto automóvel angolano muito lhe ficaram a dever.
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