domingo, 8 de dezembro de 2013

RECORDANDO UMA VIDA PLENA DE FELICIDADE

Foi há sessenta anos que vivemos um dos dias mais felizes das nossas vidas. Ao entrarmos naquele automóvel, iniciávamos uma união de cinquenta e cinco anos cheios de encantos e com uma força tão grande que permitiu enfrentar todas as dificuldades pois, no meio de tantas alegrias, também tivemos algumas. A princípio, tivemos bastantes dificuldades financeiras porque só eu trabalhava e o ordenado não era famoso. Quiseste ajudar-me procurando emprego, pois tinhas o teu curso, mas já nessa altura eles não abundavam e era difícil obtê-los sem uma cunha. Por outro lado, eu não era muito entusiasta dessa solução porque sabia que estavas destinada para uma missão muito mais importante e que vieste a desempenhar com grande êxito: a educação dos nossos filhos. O nascimento dos nossos três filhos foram outros grandes momentos de felicidade. A eles te entregaste com uma dedicação extrema, prescindindo de tudo. O que hoje são devem-no em grande parte a ti. Passámos dias de sonho em Paris e em Itália. Vimos bons filmes e a maioria das peças de teatro que se estreavam em Lisboa. Não perdíamos uma única ópera da temporada no Coliseu e assistíamos a todos os concertos da Gulbenkian e, apesar de não gostares de futebol, acompanhavas-me sempre que ia ver os jogos do meu Belenenses, primeiro nas Salésias e depois no Restelo. Embora não representasses, estiveste sempre comigo quando criei o Proscénio tomando a teu cargo a caracterização dos actores. Todos os anos gozávamos as nossas férias, primeiro na Costa da Caparica, depois em Luanda e, quando regressámos de Angola, no Algarve e em Espanha. Estes foram alguns dos momentos bons que recordo. Mas também os tivemos maus e tu, querida Teresinha, sempre os enfrentaste com muita coragem pondo-me sempre acima de tudo e todos. Foi assim quando tive de ir para Angola. Tu adoravas os teus pais mas optaste por os deixares para poderes viver ao pé de mim. Vivemos tempos terríveis quando Nova Lisboa foi ocupada pela Unita e a guerra e as perseguições proliferavam à nossa volta. Quis que regressasses a Portugal antes de mim, mas recusastes fazê-lo enquanto eu não viesse também. Depois vieram dias difíceis do regresso a Portugal quando tivemos que recomeçar de novo, sem emprego e com tudo que possuíamos abandonado em Angola. E foi, mais uma vez, todo o teu apoio que me deu forças para reconstituirmos o nosso lar. Já muito doente, quando a Bibi te perguntava de quem gostavas mais, ficavas uns momentos a pensar e, apesar do grande amor aos filhos, tinhas um sorriso de felicidade e respondias: “Do Papá”. Não consegui ter palavras que traduzissem realmente o que foi a nossa vida em comum e toda a felicidade que auferi por ter tido uma excepcional companheira como tu. Apesar de todo o amor que te dediquei, nem de longe consegui corresponder a tudo que me deste. Há perto de cinco anos, o momento que eu tanto receava concretizou-se e fiquei sem ti e a minha vida tornou-se, apesar de todo o carinho e apoio que tenho recebido dos filhos, numa caminhada cada vez mais difícil porque me falta a tua companhia. ATÉ QUANDO, MEU QUERIDO AMOR.

domingo, 1 de dezembro de 2013

UM PRIMEIRO DE DEZEMBRO ESPECIAL

Um de Dezembro de mil novecentos e cinquenta e dois. Acordo, em Évora, ao som de uma bátega de água a bater nas vidraças da janela. Durante alguns anos, os únicos feriados que a empresa onde trabalhava concedia aos seus empregados eram o Natal, o Ano Novo e o primeiro de Dezembro. Mas, tal como voltou a suceder agora, o primeiro de Dezembro não era considerado feriado obrigatório e os meus patrões, considerando que estavam a ser “uns mãos rotas”, resolveram que se passaria a trabalhar naquele dia. Como, no ano em que resolveram abolir aquela concessão, casava, em Évora, uma prima minha e eu não queria deixar de estar presente, comuniquei que faltaria ao trabalho naquele dia. Era por esse motivo que me encontrava em Évora quando fui desperto por uma chuva torrencial. E eu, que idealizara um dia bonito, acordo debaixo de uma chuva torrencial. Mas, por volta do meio-dia, como por milagre a chuva parou, o sol apareceu e tudo se transformou num dos dias mais lindos da minha vida e com o qual eu nem sequer sonhara. Fui para o casamento e, no copo de água, quando conversava com outras pessoas, junto de uma das mesas, senti alguém bater-me nas costas e uma voz feminina dizer: Por favor, podia passar-me um croquete. Satisfiz o pedido e continuei a conversa mas, novo toque nas costas, a mesma voz pedia mais um croquete, pedido que eu satisfiz continuando a conversa. Mas, mas passado pouco tempo, terceiro toque e novo pedido surgiu. Foi então que me virei, com o prato dos croquetes na mão, e rindo exclamei: Mas come muitos croquetes! Ao dizer isto reparei, finalmente, na pessoa que insistentemente estava interrompendo a conversa e tentando desviar a atenção para ela. Era linda! A partir daquele momento já não tive olhos nem palavras para mais ninguém e no fim da noite já tínhamos iniciado o nosso namoro. Desde aquele momento não mais nos separámos pois, apesar de ter regressado a Lisboa no dia seguinte, mantivemos correspondência diária durante um ano ao fim do qual estávamos casados. Vivemos anos plenos de felicidade, enfrentando bons e maus momentos, mas sempre unidos e tendo sempre o grande amor de uma companheira que jamais deixou de me apoiar e encorajar todas as minhas iniciativas. Há cerca de cinco anos, a doença levou-a da minha companhia mas, em pensamento, continua sempre presente. Sempre presente desde aquele terceiro croquete. Se recordo aqui a história do croquete é porque minha mulher, rindo de felicidade, a contava a toda a gente que conhecia mostrando como a sua insistência conseguiu despertar a atenção deste eterno distraído. Alguma coisa, que me obrigava a faltar ao emprego para me deslocar a um casamento em Évora, perece que me dizia que aquele seria um dia especial que me tornaria feliz para o resto da vida. OBRIGADO QUERIDA TERESINHA POR TUDO QUE ME DESTE. TANTA FALTA ME TENS FEITO NESTES ÚLTIMOS MEUS ANOS DE VIDA.