domingo, 8 de novembro de 2009

FREDDY VAZ – O PILOTO QUE TINHA UMA PRESSA ENORME DE VIVER




Freddy Vaz era um jovem alegre, com um entusiasmo contagiante e uma extraordinária ousadia que nem sempre respeitava as regras do bom senso e os limites de segurança.

Nas provas, abusava da sua perícia e queria sempre mais e mais como se tivesse uma pressa enorme de viver.

Vi-o correr apenas em três provas.

A primeira, nas “6 Horas” de 1968 tripulando um Volvo.
Ao passar na meta, no fim da primeira volta, comandava já, destacadamente, a prova. Mas, na segunda volta já não passou. Exigira demasiado do carro que não resistiu e ficou parado.

Voltei a vê-lo no Pequeno Circuito do Huambo, num Lótus 23, em que comandou a prova durante várias voltas até ter de parar nas boxes, por avaria, onde ficou retido durante várias voltas.

Quando retomou a prova, lançou-se numa velocidade desmedida à conquista do impossível que era recuperar o comando. Mas ele não pensava assim e cada vez acelerava mais, secundado pela sua boxe que, com o mesmo entusiasmo, o incitava a andar mais e mais.

A última vez que o vi foi nas “6 Horas” de 1969 em que a sorte o traiu, não acompanhando a sua fogosidade e, infelizmente, para ele a prova não durou seis horas.

Mas, vejamos como tudo se passou.

Admirámo-nos de, entre as inscrições, não estar a ficha do Freddy mas, naquela altura, era habitual os concorrentes aparecerem antes dos treinos e fazerem, então, as suas inscrições

Mas, nos treinos, o Freddy também não apareceu e pensámos que ele não participaria na prova.

Já na sede do Sporting, quando estavam praticamente concluídos os trabalhos do dia, ele apareceu finalmente mostrando vontade de alinhar na corrida.

Segundo o regulamento da prova, tal não era possível mas o Franchi Henriques, sempre com o seu feitio prestável e desejoso de satisfazer a vontade de toda a gente, pediu-me que redigisse um aditamento que permitisse o seu alinhamento.

Confesso que o fiz contrariado porque entendia que não se devem fazer aditamentos para beneficiar alguém e, assim, elaborando uma redacção que permitia o alinhamento no último lugar da grelha a qualquer carro e piloto que não tivesse efectuado treinos, acrescentei “desde que tivesse o consentimento expresso de todos os outros concorrentes”.

E, o Freddy, lá foi obter essa autorização, regressando com a mesma assinada por todos os pilotos inscritos.

Resolvido este assunto, outro problema surgiu: não tinha alojamento e os hotéis estavam todos cheios.

Conseguimos alojamento numa casa particular, mas o Freddy alegava que estava habituado a ficar em hotéis e não aceitava a solução encontrada.

Eu que já estava aborrecido com tanta exigência e, embora simpatizasse bastante com aquele jovem, “passei-me” e, um pouco duro, disse-lhe: Olha! O melhor é voltares para Benguela pois não fazes cá falta nenhuma.

Mas, este incidente depressa foi resolvido pois o Chico Barbosa aceitou que ele ficasse no seu quarto onde dispunha de duas camas.

Com o meu feitio, um pouco intransigente, sem o saber, estava a tentar evitar o encontro que o Freddy iria ter no dia seguinte, mas tudo se ia proporcionando para que, de facto, ele acontecesse.

O Freddy alinhou, correu com a sua habitual vivacidade e quando se encontrava na última volta, antes de entrar nas boxes para mudar de piloto, o carro embateu no lancil do passeio, despistou-se e foi raspar a parede do edifício dos Correios.

Não foi grande embate pois o carro mal ficou amachucado, tendo apenas a pintura raspada, e nada fazia prever um desenlace fatal. Mas, ele havia cometido duas imprudências: desapertara o capacete e levava o vidro da porta aberto.

No embate, bateu com a cabeça na parede. Tivesse ele o capacete apertado e a janela fechada e, estamos certos, nada do que sucedeu teria acontecido.

Ainda foi pelo seu pé para a ambulância que o conduziu ao hospital, mas, passado algum tempo, tomámos conhecimento que havia falecido.

O resto da prova desenrolou-se num ambiente de grande consternação, parecendo que o final da prova nunca mais chegava, mantendo-se um grande silêncio sobre o sucedido.

A festa da distribuição dos prémios foi cancelada e deu-se tudo por terminado após a ida ao pódio dos vencedores, para imposição da coroa de louros, e a respectiva volta de honra.

Só nessa altura se deu conhecimento da triste notícia.

A urna do malogrado Freddy Vaz foi colocada na sede do Sporting Clube do Huambo onde foi velada durante toda a noite.

Os vencedores das “6 Horas, José Lampreia e Álbio Pinto, ali compareceram a depor, junto à urna, as coroas de louros que haviam conquistado.

Na segunda-feira, a urna seguiu para Benguela, acompanhada de dezenas de carros.

Foi verdadeiramente impressionante ver, na descida da serra já de noite, as dezenas e dezenas de faróis por ali acima.

Em Benguela, ficou em câmara ardente numa das colectividades (já não me lembro qual) de segunda para terça-feira, dia em que se realizou o funeral.

A direcção das “6 Horas” esteve representada pelo Mira Godinho, pelo Franchi Henriques e por mim, nesta jornada tão triste do automobilismo angolano.

A imprudência de um capacete desapertado e de uma janela com o vidro aberto custou a vida a um jovem que poderia ter sido um grande piloto na história do automobilismo angolano quando a sua extraordinária perícia passasse a obedecer ao raciocínio, moderando a sua fogosidade que punha em risco a sua própria vida e a dos carros.

Em mim perdura a imagem de um jovem alegre, generoso e um pouco irreverente como é apanágio da juventude. Apesar de, naquela noite, ter sido um pouco duro e indelicado, nutria por ele uma grande simpatia e recordo sempre aquele dia com grande tristeza.

FREDDY VAZ TINHA UMA PRESSA MUITO GRANDE DE VIVER E DE CORTAR A META FINAL RAPIDAMENTE!

4 comentários:

  1. Uma historia que desconhecia. Teve um final triste. Mas o mundo da corridas é assim mesmo. Acredito no seu incómodo de ter autorizado o aditamento. Mas afinal todos os outros pilotos o aceitaram. Obrigado, caro Armando. Hoje fiquei mais "rico".

    Abraço

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Uma narrativa plena de virtualidade e veracidade, aquela que aqui nos é narrada pelo ilustre Armando Lacerda, uma das pessoas mais faladas no automobilismo Angolano.Em 1969,tinha eu 18 anos de idade e um espírito virado profundamente para o automobilismo em geral e muito particularmente para o panorama Angolano, pleno de provas.Tres dias antes das 6 Horas de 1969, juntamente com tres amigos e idos do Alto Catumbela Angola-Companhia de Celulose do Ultramar Portugues, chegamos a Nova Lisboa e conseguimos alojamento numa pensão da Avenida 5 de Outubro.Para além de termos assistido a todos os treinos, vivemos esses dias duma forma que só a juventude sabe viver, numa cidade plena de luz, gente de todo o lado e muitos, muitos carros, onde acima de tudo fervilhava uma grande alegria de viver e poder assistir.Na noite de sábado para domingo(dia da prova), com os amigos fui à Boite Kandumbo onde estava o malogrado Freddy Vaz, com amigos.Foi a primeira vez que estive perto dele a segunda e última,seria no dia seguinte, quando o mesmo ocupava um dos últimos lugares na grelha da partida. Eu e amigos, estavamos mesmo ao lado do carro que tripulava, um Cortina-Lotus, de cor cinzento.Tudo bate certo na narrativa do caro Armando Lacerda, nem outra coisa seria de esperar duma das pessoas mais conhecedoras do desporto automóvel de Angola e ligado à organização das 6 Horas do Huambo.Enquanto se aguardava a partida e naqueles momentos de grande ansiedade, Freddy Vaz, com as mãos trémulas pelo nervosismo tentava a todo o custo apertar o fecho do capacete por debaixo do queixo, contudo, tal não lhe foi possível, arrancando assim, para aquela que iria ser a sua última prova.Para além disto e tal como é narrado, a janela ia aberta, factos que foram desde logo notados e comentados no local pelas imensas pessoas que tal como eu ali estavam na altura da partida.Durante o decorrer da prova, fomos mudando de lugar e através do rádio portátil que levavamos(Rádio Clube do Huambo) tivemos conhecimento do fatídico acidente, sendo certo que só muito mais tarde se soube da morte do saudoso Freddy Vaz.Efetivamente um homem que tinha muita pressa e que a vida por ele passou rapidamente.

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  4. Só para acrescentar que o meu pai foi mecânico deste jovem piloto e na verdade ele destruía os carros com tanta agressividade. Também costumava correr com outro carro que era um Lotus 23

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