domingo, 26 de agosto de 2012

A FLORA SOLA

A “preguicite aguda” que, por vezes, me ataca tem-me impedido de continuar a deixar aqui as recordações deixadas pelo almoço do grupo “Eu amo a cidade do Huambo, ex-Nova Lisboa”. Vou tentar continuar. De entre as várias pessoas que ali se encontravam, chamou-me a atenção, pela sua respeitável presença, uma Senhora Africana vestindo um lindo traje angolano. Ao ser-me apresentada e tomando conhecimento que tinha sido locutora de umbundo do programa "Cruzeiro do Sul", perguntei-lhe se não tinha sido ela que tinha gravado uma fita para a despedida diária da Finol e imediatamente me confirmou que sim. Que satisfação tão grande sentimos quando, passados dezenas de anos, encontramos alguém que participou e ajudou a concretizar ideias nossas. Esta fita era uma gravação que, diariamente pelas 24 horas, tocava a valsa da meia-noite e agradecia a presença dos visitantes desejando o seu regresso de novo. Este agradecimento era feito em português, francês, inglês, italiano e umbundo, terminado o qual o certame encerrava as suas portas ao som do “Silêncio”. A Flora Sola gravou aquela saudação em umbundo numa fita que ainda conservo e que foi das poucas coisas que pude trazer de Angola. A situação em Nova Lisboa degradava-se dia a dia e houve um em que a polícia foi desarmada pelo que deixou de existir. Mesmo assim, ainda teimei em manter o certame aberto, mas depressa verifiquei que tal não era possível pois não havia segurança para ninguém e alguns membros de um dos movimentos de libertação estavam tomando atitudes verdadeiramente intoleráveis. Tentando manter a calma, decidi que a feira fecharia à hora do costume despedindo-se com a sua habitual saudação, encerrando depois as suas portas para não voltar a abrir. Ao deixar o recinto guardei a bobine da fita de gravação no meu bolso e daí a razão desta se ter salvado. Apesar da difícil situação que já se vivia em Angola em 1975, persisti na realização da Finol e, apesar dos tempos difíceis que se atravessavam, a feira foi inaugurada na data prevista com um elevado número de presenças. Isso só foi possível graças ao apoio que tive de todos os expositores que, tal como eu, quiseram deixar uma mensagem de esperança de que seria possível continuar a trabalhar em prol de uma Angola próspera e economicamente forte. Utopicamente pensávamos que seria possível ultrapassar os maus momentos que se estavam passando e continuar a trabalhar para o progresso daquele maravilhoso país que estava a nascer. Daí a Finol/75, único certame que se realizou em Angola naquele ano, ter aberto as suas portas, no dia que estava marcada a sua inauguração, com um número muito significativo de expositores. Foi inaugurada mas já não foi possível mante-la até à data para que estava marcada o seu encerramento. No dia a seguir ao seu fecho forçado, Nova Lisboa foi invadida por centenas de refugiados que chegavam de todos os lados praticamente sem outra coisa que não fosse a sua vida. Como a maioria não tinha onde ficar, o recinto da feira passou a ser o seu refúgio e onde até ali tinha estado uma exposição símbolo do progresso que se desejava para Angola havia agora tristeza e lágrimas de pessoas que tinham assistido à derrocada de todos os seus sonhos e aguardavam, numa situação terrível, o embarque que as levasse para longe daquilo tudo. Enquanto conversava com a Flora veio-me à memória toda aquela odisseia tão triste que vivemos. Conversei um bom bocado com a Flora que me relatou ter ficado em Nova Lisboa e ali ter aguentado toda uma guerra terrível que massacrou aquela cidade mártir. A Flora, com uma coragem digna de admiração, ali se manteve na sua terra só agora vindo a Portugal para conhecer uma sua netita agora nascida. Falámos de Angola e das riquezas daquela terra que apenas tem servido para o enriquecimento de uns poucos que um dia se apelaram de defensores do povo angolano enquanto este continua numa miséria enorme. Na figura da Flora Sola vi a figura de todo um povo sofredor que, apesar disso, mantém a sua altivez e, ao mesmo tempo, uma lhaneza de carácter que a todos cativa.

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