sábado, 25 de abril de 2015

25 DE ABRIL

Esta é a madrugada que eu esperava O dia inicial inteiro e limpo Onde emergimos da noite e do silêncio E livres habitamos a substância do tempo Sophia de Mello Breyner Andresen Há 41 anos não posso dizer que o dia começara bem. Uma conferência de imprensa, realizada na véspera, para comunicar a criação de um grupo de teatro originou que, logo de manhã, fosse visitado por um pide que me submeteu a um interrogatório sobre o que iríamos levar à cena pois o “senhor inspector interessava-se muito por teatro”. O “pobre-coitado”, alto cargo da famigerada polícia que se dizia tão bem informada, estava preocupado com o perigo de um pequeno grupo de teatro ignorando que, naquela altura, o regime que ferozmente defendia estava prestes a cair. Terminado o interrogatório, resolvi ir espairecer e beber um café à Kambu onde alguém me informou que tinha havido um golpe militar em Lisboa. Escusado será dizer que, naquele dia, já não fiz nada que não fosse estar junto do rádio tentando saber tudo que se passava. Feito por militares, receava que fosse um golpe de direita mas, ao mesmo tempo, sentia uma alegria muito grande porque a longa noite de quarenta e oito anos tinha chegado ao fim. Com a continuação das horas e a chegada de notícias fomos tomando conhecimento que estávamos em face de um golpe que restituía a democracia e a garantia da restituição da liberdade, extinção da pide e da censura, libertação dos prisioneiros políticos, realização de eleições e direito dos povos colonizados à sua independência. A constituição da Junta de Salvação Nacional, composta por personalidades de certo modo ligadas ao regime deposto, oferecia-nos alguns receios mas a sinceridade do movimento das forças armadas e a força manifestada pelo povo português que transformou um golpe de estado numa autêntica revolução dava-nos confiança. E, assim, continuámos a trabalhar para o desenvolvimento de Angola felizes porque iria ser independente e pensando, utopicamente, que seria possível todos ali continuar a contribuir para o engrandecimento deste novo país. Mas, os anos de guerra tinham sido muitos, os movimentos de libertação digladiavam-se entre si enquanto os Estados Unidos e a União Soviética os armavam numa tentativa de virem a impor ali a sua influência. Num país em pé de guerra onde a situação se degradava, dia a dia, ainda consegui que a Feira Internacional de Nova Lisboa se realizasse em 1975 que, apesar da situação, foi a maior de todas. Foi inaugurada mas teve de encerrar antes da data marcada. A situação degradara-se e a cidade enchia-se de refugiados à espera de uma ponte aérea que os fizesse sair de Angola. Nova Lisboa caía em poder da Unita e transformava-se numa cidade fantasma. A 29 de Agosto regressei a Portugal para gozar a minha graciosa mas sabia que era uma viagem sem regresso. Ali deixava tudo o que tinha adquirido em Portugal e que para ali levara mais o que adquirira nos meus anos de Angola. Feliz porque tinha junto de mim a mulher e os filhos tive de iniciar uma vida nova num país novo e livre. De novo, começava do zero mas com a força que me era transmitida por um povo que estava a fazer uma autêntica revolução. O governo não conseguira fazer uma boa descolonização mas apenas aquela que era possível devido ao atraso e às condições em que se fizera com um exército que não mais queria combater e movimentos fortemente armados e motivados. Em contrapartida, enfrentava o regresso de milhares de refugiados diligenciando e conseguindo que todos fossem instalados e pudessem iniciar uma nova vida. Conquistou-se uma educação aberta a todos e não apenas a alguns privilegiados; um serviço nacional de saúde para todos; uma segurança social que garantia as reformas para que os trabalhadores haviam descontado; salários e direitos garantidos aos trabalhadores. Foram conquistas que muita corrupção e a subjugação do poder político ao poder económico veio pôr em perigo e, a pouco e pouco, destruir. Com a integração na União Europeia e a troco de fundos para modernização destruíram-se as pescas, a agricultura e a indústria. Os fundos enviados nada modernizaram e serviram apenas projectos oportuníssimos e compra de boas viaturas topo de gama. Ficámos sem meios de produção e com a corrupção de muitos e a subjugação total do poder económico ao poder económico chegámos a esta crise originada não por se viver acima das possibilidades, como apregoam, mas pela actividade suicida das instituições bancárias. A denominada crise, que não afecta só o nosso país, não tem solução nem fim porque pretende apenas reduzir cada vez mais os direitos dos trabalhadores e aposentados enquanto outros enriquecem cada vez mais. E é assim que chegamos a este 25 de Abril com um governo que tudo tem feito para cumprir as directrizes que lhes são dadas. As poucas empresas que ainda possuíamos estão a ser entregues ao capital estrangeiro; estudam-se leis que pretendem fazer regressar a censura à nossa comunicação social, apesar dela já estar de certo modo controlada; a justiça a causar alguma preocupação pela demora e atitude como resolve as várias situações. Tudo isto é preocupante, mas deixa-me confiante porque ainda temos o direito de votar e de poder mudar esta situação. O povo que em Abril de 1974 transformou um golpe militar numa verdadeira revolução pode voltar a pôr ponto final à situação que vivemos. Este relambório mal escrito e à pressa não tem outra pretensão que não seja o recordar uma data muito querida e ao mesmo tempo prestar a minha sincera homenagem e gratidão aos capitães de Abril e a todos os democratas e antifascistas que souberam pôr fim a um regime de triste memória, ao mesmo tempo que transmito a minha confiança no futuro. ABRIL VENCERÁ.

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