domingo, 29 de julho de 2012

O LUÍS GANHO

Luís Ganho foi o criador da página “Eu amo a cidade do Huambo, ex-Nova Lisboa” e é o grande entusiasta e organizador dos encontros dos membros desta página promovendo, assim, o convívio entre todos, cimentando amizades e mantendo vivas as recordações de momentos passados. Foi dele que recebi o outro convite para este encontro e, durante o desenrolar do mesmo e apesar do pouco tempo de que dispunha envolvido nos vários problemas da organização, cumulou-me de atenções que muito me sensibilizaram. Velho amigo da família, apesar da grande diferença de idades, tivemos oportunidade de relembrar muita coisa do passado. O Ganho foi colega da minha filha no liceu e visita assídua da nossa casa tal, como o Corte Real e o Herberto. Assistindo a um ensaio da peça que pensavam levar à cena, na festa anual do liceu, verifiquei que, apesar do talento que mostravam, movimentavam-se no palco à vontade de cada um e sem qualquer espécie de marcação originando que se tapasse com frequência. Resolvi encenar “O Avarento” de Molière, peça que eles estavam a ensaiar e, depois de ter pedido à Embaixada de França um original daquela obra, procedi à sua marcação e passei a dirigir os ensaios. Toda a equipa se entregou com entusiasmo ao trabalho e penso que se conseguiu um nível muito aceitável pois tratando-se de principiantes eram muito fáceis de moldar. Com a ajuda de minha mulher que idealizou o guarda-roupa e fez a caracterização das personagens, a peça foi à cena no Teatro Ruacaná, em Nova Lisboa, e correu tão bem que, apoiados pela Alliance Française, deslocámo-nos a Luanda e “O Avarento” subiu à cena no Teatro Avenida. Também a televisão, que ainda em regime experimental dava os primeiros passos, nos convidou para ir aos seus estúdios gravar a peça e, assim, um grupo de estudantes do Liceu Norton de Matos de Nova Lisboa pode gabar-se de ter sido protagonista da primeira peça de teatro que a televisão de Angola transmitiu, embora ainda numa área muito reduzida pois, na altura, estava limitada a Luanda. Durante o almoço, tivemos oportunidade de recordar todas as peripécias desta acção cultural bem como a criação do “Proscénium”, iniciativa que nasceu motivada por aquela experiência. Em Portugal, eu tinha criado o Proscénium – Grupo de Teatro do Sindicato dos Empregados de Escritório que teve algum êxito e uma longa vida. Motivado pelo interesse que aquele grupo de jovens tinha demonstrado, pensei ser útil aproveitá-los para a criação de um grupo de teatro que desenvolvesse o gosto por esta arte tão bela. E, assim, depois de falar com aqueles jovens e com mais algumas pessoas interessadas pela cultura, nasceu um novo “Proscénium”, este em Angola, e que pretendíamos tivesse tanta actividade como aquele que criara em Portugal. Depois de formada uma comissão organizadora, apresentámos, numa conferência de imprensa realizada no dia 24 de Abril de 1974, o nascimento desta iniciativa e os seus objectivos, o que originou um episódio que não deixa de ter alguma piada e que não me canso de relatar. No dia 25 de manhã, mal cheguei ao meu local de trabalho, recebo um telefonema da Pide dizendo-me que precisavam falar comigo e se eu os podia receber. Não me posso queixar pois não me foram buscar e ainda tiveram a “delicadeza” de telefonar a pedir para os receber. Como lhes respondi que os receberia à hora que entendessem, imediatamente me apareceu um agente que, muito delicadamente, me informou que o sr. inspector se interessava muito por tudo que dizia respeito à cultura e que desejava apoiar a iniciativa pelo que gostava de saber que peças iríamos levar à cena. Respondi-lhe que podiam estar descansados pois todas as peças seriam visadas pela comissão de censura dado que, como ele certamente sabia, não era possível levar à cena outras. Para “desopilar” deste sempre desagradável encontro, mesmo que decorressem num ambiente aparentemente cordial como este, resolvi ir beber um café e, então na “Kambu”, tomei conhecimento que em Portugal se tinha dado um golpe de estado enquanto, em Nova Lisboa, uma polícia “tão bem informada” dedicava o seu tempo a saber o que um “perigoso” agrupamento teatral pretendia levar à cena. O Proscénium começou a trabalhar e, dado a sede de libertação que existia depois de tantos anos de opressão, começámos a ensaiar “Liberdade, Liberdade” pelo que escrevi ao seu autor, Luís Francisco Rebelo” pedindo autorização para levar a peça à cena. Com aquela amizade que sempre me dispensou, de imediato me respondeu autorizando a exibição da peça e quanto aos direitos não levava nada se a peça fosse representada sem entradas pagas, mas se fossem pagas então exigiria de direitos uma importância "elevadíssima": um escudo. E, com aquele grupo de jovens, começámos os ensaios. Como a peça tinha alguns trechos musicados e como não consegui obter do José Mário Branco as suas partituras, recorremos à declamação em vez do canto, alteração que até estava a satisfazer bastante bem. A situação já bastante degradada em toda a Angola chegou também a Nova Lisboa e a peça não chegou a ser levada à cena o que foi muito bom pois, pelo caminho que as coisas tomaram, o menos que nos teria sucedido era termos sido presos. Tudo isto me veio à memória durante o nosso almoço. Daquele grupo de jovens, continuei a conviver bastante com o Corte Real que enveredou pelo teatro trabalhando no Cendrev, em Évora, e como costumava assistir às suas estreias falávamos com frequência. Com o Herberto, embora há muito não veja, também falei várias vezes pois tem o Pai em Estremoz e a mulher fez o doutoramento na Universidade de Évora. Com o Ganho é que, com excepção de alguns contactos o Facebook, só agora, passados 37 anos, nos voltámos a ver, mas a amizade e as recordações perduraram ao longo do tempo. Obrigado Luís Ganho pelas atenções que teve para comigo e pela amizade que me dispensa e que é recíproca. ESPERO QUE NOS POSSAMOS ENCONTRAR MAIS VEZES E COM MAIS FREQUÊNCIA.

1 comentário:

  1. Amigo e Sr. Armando Lacerda, que experiência incrível foi esta de, lendo o seu blog, navegar no tempo e reencontrar todos esses extraordinários momentos que, há muito tempo, rodearam o Grupo Cénico do Liceu e o Grupo Proscénium, e todos os companheiros que deles fizeram parte, afinal desde o Avarento, até à Liberdade, Liberdade (quem a tem chama-a sua, lembra-se?) que abruptamente interrompemos por causa dos malfadados acontecimentos que nos espartilharam pelo mundo.

    O reencontro de Cacilhas deixou-me muito feliz, pois foi marcado pelo reacender de muitas memórias de pessoas e acontecimentos, em especial os que também vi referidos nesta publicação.

    Foi uma agradável surpresa encontrar o seu testemunho dos reencontros desse dia, que temos de repetir, selando a nossa amizade.

    Eu é que tenho de agradecer toda a sua generosidade, que reitera a que o Sr. e a muito saudosa Sra. D. Teresa a todos nós desse tempo maravilhoso dispensaram. Tão forte a relação afetiva que a amizade da sua família me emprestou, que mais tarde dei ao meu próprio filho o nome do seu filho mais novo Nuno Miguel, que tive a alegria de rever, e que daqui, assim também aos manos, cumprimento também.

    Bem haja meu bom amigo, e até breve.

    Luís Ganho

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