sábado, 4 de outubro de 2014

RECORDANDO A CASA DE FADOS “A CESÁRIA”

Na paz dos campos, onde tenho vivido os meus últimos tempos, dou comigo a recordar, com uma saudade tão grande que até dói, toda uma vivência, um pouco agitada mas muito rica, que me proporcionou tantos e tantos momentos de alegria e felicidade. “Passou tudo tão depressa” lamentava a minha querida companheira nos seus últimos anos de vida e como é verdade. Como eu recordo as noites de Lisboa cheias de encanto, os conhecimentos e amigos dos mais variados quadrantes com que convivi ao longo dos anos e como eu desejava poder viver tudo outra vez. Como se tal fosse possível e, mesmo que fosse já nada seria como dantes. Lisboa já não é o que foi, os amigos e conhecidos já abalaram quase todos, eu já não aguento aquelas noites em que me bastava dormir dez minutos para recuperar e, principalmente, já não tenho junto de mim aquela que era a razão de todo o meu ser e enchia toda a minha vida de felicidade. Mas tudo isso não impede que continue a recordar, e cada vez com mais frequência, toda a vivência que tive a felicidade de usufruir. E nestas recordações, hoje, lembrei-me de “A Cesária” aquela simpática casa de fados que também já pertence ao passado pois já não existe. De todas as casas de fados que conheci, esta foi sempre aquela de que mais gostei. Era na Rua Gilberto Rola, em Alcântara, onde já no século XIX tinha existido uma tasca na qual, reza a tradição, teria cantado pela última vez, em 1877, Maria Cesária. Já no século XX, foi uma casa de prostituição e, como possuía dois andares, esta passou para o primeiro andar por onde se entrava por uma porta independente, passando o rés-do-chão a uma casa típica, que se denominava “Casa A Cesária”, onde se comiam petiscos e se ouvia cantar o fado. Quando as casas de prostituição foram proibidas, o proprietário consegue licença para fazer obras de ampliação e o primeiro andar é aberto fazendo como que uma varanda para o andar de baixo o qual passou a dar a ideia de um pátio lisboeta. Quer pela decoração, quer pelo ambiente, passou a ser um lugar castiço onde quem servia às mesas também cantava o fado assim como qualquer dos presentes se o desejasse. Abria todos os dias e a maior parte das vezes tinha a lotação esgotada até quase de madrugada. Ao recordar “A Cesária” lembro-me de um episódio que ainda hoje me faz rir, embora os intervenientes não lhe devessem encontrar qualquer graça. O dramaturgo espanhol Alfonso Sastre passou em Lisboa a caminho do México, onde ia passar a sua lua-de-mel. O casal jantou com o Bernardo Santareno que os convidou a irem ouvir o fado à “A Cesária”. Durante a actuação de uma fadista, um individuo com ares de “marialva” começou com dichotes e o Bernardo Santareno mandou-o calar com um “tchiu”. O individuo, com um ar provocante, virando-se para o Bernardo disse-lhe: “O que é que queres? Se queres alguma coisa tira os óculos”. E, para azar e num gesto que ninguém pensaria, o Bernardo tirou mesmo os óculos. Resultado: uma cena de pancadaria que terminou com todos na esquadra de Alcântara onde os noivos passaram a sua noite de núpcias seguindo, de manhã num carro da polícia o chamado "creme nívea", da esquadra para o aeroporto a caminho do México. É de tudo isto que eu tenho saudades aqui na pacatez dos Foros do Queimado. QUE É IMPOSSÍVEL VOLTAR AO PASSADO … É! MAS QUE GOSTAVA … GOSTAVA!

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