quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O SONHO E A OBRA – 1953 – DOIS TÍTULOS NUM ANO



Mil novecentos e cinquenta e três voltou a ser um ano muito importante para a Ferrari.

Alberto Ascari com o seu monolugar 500 F2 consagrou-se, pela segunda vez consecutiva, campeão do mundo de pilotos e a Ferrari conquistou o Campeonato Mundial de Construtores para Automóveis de Sport, atribuído este ano, pela primeira
vez, pela Comissão Desportiva Internacional.

As coisas tinham começado bem por ocasião da “Temporada Argentina” que tradicionalmente marcava o início da época. Ascari venceu o Grande Prémio da Argentina, primeira prova a pontuar para o campeonato, seguido de Villoresi e de Hawthorn em quarto lugar, tendo Froilàn Gonzalez, em Maserati, ficado em terceiro.

Farina venceu a prova de “fórmula livre” conduzindo um monolugar tipo 625 que, para todos os efeitos, seria o carro para a futura época de F1.

Porém, o grande sucesso foi para o 225 S que, conduzido pelos pilotos privados locais Bonomi, Collazzo e Iban, conquistaram os três primeiros lugares da corrida para carros de sport.

Após esta primeira vitória, Ascari continuou a sua caminhada para o título ganhando:

- a 7 de Junho em Zandvoort, o Grande Prémio da Holanda, ficando Giuseppe Farina em segundo e, em terceiro, a dupla Felice Bonetto/Froilàn Gonzalez em Maserati;

- a 21 de Junho em Spa, no Grande Prémio da Bélgica com Villoresi em segundo lugar e Onofre Marimon em Maserati em terceiro;

- a 18 de Julho em Silverstone, no Grande Prémio da Grã-Bretanha, tendo Giuseppe Farina conquistado o terceiro lugar por Juan Manuel Fangio, em Maserati, ter ficado em segundo;

- a 23 de Agosto em Bremgarten, no Grande Prémio da Suiça com Farina e Hawthorn em segundo e terceiro.

O Grande Prémio da França, disputado a 5 de Julho em Reims, foi ganho por Mike Hawthorn, ficando em segundo e terceiro Juan Manuel Fangio e Froilàn Gonzalez, em Maserati.

Na jornada desse fim-de-semana deu-se um episódio que vale a pena referir.

O programa incluía uma corrida de 12 Horas para carros de sport que foi ganha por Umberto Maglioli/Piero Carini num Ferrari 375 MM, mas a equipa foi desclassificada por ter desligado os faróis mal tiveram a luz da madrugada, quando o regulamento obrigava a que estivessem acesos até às 5.00 horas.

Nelo Ugolini, chefe da equipa, telefonou a Enzo Ferrari que, ao tomar conhecimento da desclassificação, mandou retirar a equipa do Grande Prémio.

Tal decisão originou um pandemónio de telefonemas entre Reims e Modena que só terminou com a Ferrari a receber o dobro do prémio de alinhar acordado inicialmente.

Mesmo assim e mantendo o “suspense” até ao fim, num derradeiro gesto teatral, os carros vermelhos foram os últimos a alinhar na grelha.

O Grande Prémio da Alemanha, em Nurburgring a 2 de Agosto, foi ganho por Giuseppe Farina, classificando-se Juan Manuel Fangio em Maserati em segundo e Mike Hawthorn em terceiro.

Com o campeonato praticamente ganho, a Ferrari apresentou-se para o Grande Prémio de Itália, em Monza a 13 de Setembro, na máxima força com seis carros, quatro tipo 500 para Ascari, Villoresi, Farina e Hawthorn e dois novos, tipo 553, para Carini e Maglioli.

O porta-estandarte da Maserati era Juan Manuel Fangio que veio a conseguir uma inesperada vitória quando, a 300 metros da meta, Ascari fez um pião e foi abalroado por Marimon, ficando ambos fora de prova.

Farina foi obrigado a “zigazear” para evitar o acidente, proporcionando que Fangio o ultrapassasse e ganhasse a prova. A Ferrari conquistou o segundo, terceiro e quarto lugares com Farina, Villoresi e Hawthorn.

Em 1952 e 1953 todos os grandes prémios, com excepção do último devido a colisão múltipla, foram ganhos pela Ferrari numa demonstração nítida de total domínio.


A FAMÍLIA DOS 4 CILINDROS

O novo motor de quatro cilindros para o monolugar 553 vinha juntar-se aos dois já existentes com cilindrada, respectivamente, de dois litros e meio para o tipo 625 e de dois litros para o tipo 500.

O projectista Aurélio Lampredi tinha bem presente que a luta, em 1954, com a nova fórmula 1 envolveria não apenas os tradicionais rivais Maserati e Gordini, mas igualmente dois novos concorrentes muito fortes: a Mercedes e a Lancia.

Havia, portanto, uma necessidade imperiosa de melhorar as suas máquinas, especialmente o motor.

Com efeito, o chassis mantinha-se essencialmente inalterado, com suspensões dianteiras independentes e um eixo traseiro da De Dion, ambas com molas de lâminas transversais como elemento elástico.

Em relação ao motor tipo 500, o 553 tinha um curso mais curto e, por conseguinte, um diâmetro de 93 mm quase igual ao do 625 que era de 94 mm.

Aumentar o diâmetro sempre significou poder aumentar o diâmetro das válvulas e, para esse efeito, tinha sido inteiramente refeita a cabeça dos cilindros com as válvulas a formar um ângulo muito mais vasto. Ao mesmo tempo, um curso mais curto permitia aumentar o regime de rotações e, portanto, aumentar a potência.

No caso dos 4 cilindros, tal como já havia sucedido com os 12 cilindros, tinha-se partido para um projecto de bloco dimensionado para permitir substanciais aumentos de cilindrada.

Naturalmente, os motores eram melhorados mesmo durante a construção. Por exemplo, o novo desenho da cabeça previa um melhoramento na sua fixação ao monobloco obrigando a uma diferente disposição dos pernes.

Além disso, todos os componentes internos móveis, eram redesenhados para reduzir as fricções aerodinâmicas e, por conseguinte, perdas de potência, um detalhe a que Lampredi dava especial atenção dada a sua experiência aeronáutica.

Dos motores de 4 cilindros para os monolugares derivaram rapidamente interessantes propulsores para os carros de sport como o aplicado no tipo 500 Mondial, assim chamado para celebrar a conquista dos dois títulos mundiais de 1952 e 1953.

Tratava-se de uma ágil e pequena “barqueta”, muito apreciada para as competições de sport até dois litros, a que foi aplicado o mesmo motor do monolugar F2, adaptado à estrada e equipado com dínamo e motor de arranque de dupla ignição.

Outro modelo dotado de motor de quatro cilindros foi o 625 TF com cilindrada de dois litros e meio. Embora a sigla TF possa fazer pensar que o modelo havia sido criado para participar no Targa Florio, tal não sucedeu. Participou nos 1 000 Quilómetros de Monza onde Hawthorn se classificou em quarto lugar.

Os três modelos conhecidos têm carroçaria de Vignale, dois “spider” e uma “berlineta”.

Por último, o terceiro modelo de quatro cilindros de 1953 é o 735 S com diâmetro e curso de 102 x 90 mm e cilindrada de 2 941 cm3. Foi utilizado em diversas corridas
e pode dizer-se que serviu de protótipo experimental para o modelo seguinte, o 750.


AS OUTRAS CORRIDAS

Como nunca, a Ferrari foi protagonista de várias competições de carros de sport e grande turismo, graças aos numerosos modelos disponíveis.

Giannino Marzotto, sempre acompanhado do seu amigo Crosara, repetiu a proeza de vencer as “Mille Miglia”, desta vez num potente 340 MM, um spider Vignale com um motor V12 de 4 100 cm3 derivado da fórmula 1. Tratava-se de um carro aberto e,
felizmente para a equipa, não choveu durante toda a prova.

Com este carro, Villoresi tinha ganho a Volta à Sicília que, depois de uma rápida revisão, seguiu directamente para as Mil Milhas que venceu, num autêntico teste de fiabilidade deste carro.

Esta era também a sexta vez consecutiva que a Ferrari ganhava esta prova, consideradas um dos maiores testes do mundo à resistência dos carros e dos pilotos.

Para melhor avaliar as qualidades de Marzotto como piloto basta atentar no facto de ter pegado numa viatura que nunca havia conduzido e batido os pilotos da Lancia e da Alfa Romeo.

Enzo Ferrari falando dos irmãos Marzotto, especialmente de Giannino, dizia que se ele tivesse enveredado pelo profissionalismo teria sido um dos maiores pilotos do mundo.

Os sucessos continuaram com a vitória de Farina e Hawthorn nas 24 Horas de Spa e de Ascasri e Farina nos 1 000 Quilómetros de Nurburgring, em ambos os casos com o 375 MM com um motor derivado da fórmula 1 numa versão de Lampredi com uma
cilindrada de 4 500 cm3 e as adaptações necessárias a uma versão de estrada.

Por sua vez, os 250 MM tiveram um V12 derivado do motor original de Colombo, agora com uma cilindrada de três litros como indicado pelo 250 respeitante à cilindrada unitária. Este era uma versão do 250 S estreado no ano anterior e que ganhara aquela prestigiosa corrida de que o modelo tomou o nome.

A “berlineta” de Pinin Farina, 250 Mille Miglia, era uma mistura de eficiência e elegância, apresentando soluções pouco usuais com as aberturas nos guarda-lamas traseiros para permitir a colocação das suspensões sem aumentar a largura da carroçaria.

Para além das vitórias dos pilotos oficiais, os clientes privados da Ferrari contribuíram extraordinariamente para o prestígio do “Cavallino Rampante” no mundo.


OS CARROS DE SÉRIE

A intensa actividade desportiva não impedia Enzo Ferrari de pensar na produção de série com veículos cada vez mais arrojados.

Aproveitando o melhor possível toda a experiência obtida com as corridas, fabricou-se uma pequena série de carros, assente em dois modelos com bases comuns.

O 250 Europa e o 375 América, ambos com motores V12 derivados da fórmula 1 e com chassis praticamente idênticos, eram carros de dois lugares, muito grandes com 2,8 m entre eixos, a maior parte deles com carroçarias de Pinin Farina com um longo “capot” a dar ideia da potência do motor e um depósito de combustível de capacidade “pantagruélica” compreendida entre os 140 e os 150 litros.

Da versão Europa foram produzidas 20 unidades, incluindo 2 protótipos, com um motor do 275 adaptado e esta versão.

A cilindrada unitária do motor foi reduzida a 250 cm3 com um diâmetro e curso de 68 x 68 mm e uma potência de 200 CV.

Com excepção de duas unidades com carroçarias de Vignale, todas as outras foram concebidas por Pinin Farina.

Uma das variantes do motor F1 usada para a versão América teve 84 mm de diâmetro e um curso de 68 mm para uma cilindrada total de 4 522 cm3 e uma potência de 300 CV.

Oito unidades do 375 América eram de autoria de Pinin Farina e três de Vignale.


OS CLIENTES

A produção anual de 1953 foi de 57 automóveis que, somada à do ano anterior, excedia um pouco as 150 unidades.

Além dos desportistas que compravam os seus carros para competir, a Ferrari começava a atrair o seu quinhão de clientes reais, além de alguns grandes nomes do mundo financeiro.

Nestes, incluíam-se nada menos que três soberanos: o rei Leopoldo da Bélgica, o imperador Bao Dai e o rei Bernardo da Holanda; o actor James Murray e nomes da comunidade empresarial tais como Pierre-Louis Dreyfus, Ginni Agnelli, Francois Ferrario, Michel Paul Cavallier, Eugénio Lanz, Otto Wild, Henry Ford II e Franco
Rol.


O FUTURO

A época desportiva estava concluída com sucesso, mas o futuro era preocupante devido à alteração dos regulamentos e a preanunciada presença de dois fortes concorrentes na Fórmula 1: a Mercedes e a Lancia.

Enzo Ferrari mostrava essa preocupação na carta introdutória ao anuário de 1953 fazendo referência ao “inflamado mês de Agosto” onde tinha anunciada a retirada da Ferrari das competições após o Grande Prémio de Itália.

A razão desta decisão tinha sido o insuficiente apoio financeiro por parte das entidades ligadas ao desporto automóvel, assim como no campo internacional onde o custo das presenças era bastante elevado e não compensado pelos prémios de presença.

Por outro lado, o peso económico das empresas concorrentes permitia mesmo que estas lhe tirassem preciosos colaboradores através de vantajosas ofertas.

Ao mesmo tempo, das mãos do mágico Aurélio Lampredi não saía nenhuma novidade miraculosa para os novos motores e chassis.

No jantar de fim do ano da Ferrari, realizado a 12 de Dezembro, chegava o anúncio mais que esperado de que a Ferrari retomava as competições.

Com efeito, a equipa apresentou-se nas 12 Horas de Casablanca para carros de sport e afirmava-se com a dupla Farina/Scoti pilotando um 375 MM seguido de Ascari/Villoresi num 500 Mondial, a nova pequena “barqueta” numa carroçaria que marcou o início da colaboração de Sérgio Scaglietti mas que significava também o
triste abandono de Ascari e Villoresi atraídos pela Lancia,

NOTA: Este “post” é o resumo livre e aumentado do capítulo respeitante ao ano de 1953 da obra “L’Opera e il Sogno”

FONTES: “L’Opera e il Sogno”, “Grand Prix – A história da Fórmula 1”, “Bandeira da Vitória – A história do Automobilismo” e “Ferrari – 60 ans de scuderia”

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