quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O SONHO E A OBRA – 1956 – A DOR



Existem alturas trágicas em que a vida privada das figuras famosas se torna do conhecimento geral.

Este é o caso de Enzo Ferrari quando foi atingido pela dor da perca do seu primeiro filho Alfredo “Dino” após uma longa batalha contra uma doença conhecida hoje como distrofia muscular, mas misteriosa e incurável na altura.

Durante a doença do filho, Enzo era a autêntica personificação do poema de Rudyard Kiplins “SE”, enfrentando todos os golpes e resistindo sempre, na ilusão que poderia salvar o seu filho. Acreditava que não existia infortúnio que não pudesse ser
vencido pelo saber e pela vontade planificada.

Acompanhou todos os tratamentos do filho, registando todos os resultados e estudando a evolução da doença, não se poupando a esforços e verbas importantes para obter os resultados satisfatórios que acreditava surgirem mas que, infelizmente, não apareceram.

E a 30 de Junho, na véspera de mais uma vitória dos carros vermelhos, agora de novo protagonistas na Fórmula 1 e na categoria de Sport, Dino falecia com, apenas, 24 anos.

Enzo tinha perdido esta luta. Fechada, no seu coração de pai, a dor pela perca do seu filho levou-o a encerrar-se no seu mundo, deixando de ir às provas e dedicando mais tempo ao seu outro filho, Piero então com onze anos de idade e a preserverar a memória do filho desaparecido, dando o seu nome a um tipo de motor (o V de seis cilindros) e criando, anos mais tarde, um carro com este nome e este motor.

Na empresa, os problemas técnicos e económicos que a haviam afligido em 1955 estavam agora sanados graças ao material recebido da Lancia, ao projectista Jano e a uma ajuda económica de 50 milhões de liras anuais garantidas pelo Automóvel Clube
de Itália.

Coerente com o seu axioma de que “as fábricas compõem-se sobretudo de homens, seguidos das ferramentas e dos edifícios”, o anuário de 1956 era dedicado “aos amigos e colaboradores no mundo” e trazia, para além da habitual enumeração de pilotos, patrocinadores e personalidades diversas, uma interessante relação dos principais líderes da fábrica, agora a contar com uma mão-de-obra de 300 empregados.

A direcção geral estava, naturalmente, nas mãos de Ferrari coadjuvado por três consultores, Bazzi, Bellentani e Massimino e de um secretário, Tavoni. Na direcção comercial estava Gardini, na administrativa Della Casa, nos aprovisionamentos Giberti com a colaboração de Rosi, Selmi, Benzi, Gavioli e Radighieri e para os
clientes Monzani e Ranuzzi.

Havia oito pessoas para os diferentes departamentos e áreas de produção entre os quais se incluía Reclus Forghieri, pai de Mauro.

De todos os departamentos, o mais importante era naturalmente o de competição dirigido pelo engenheiro Andrea Fraschetti (entrado para a Ferrari a 2 de Janeiro) e três colaboradores, Rocchi, Salvarani e Casoli.

A equipa contava com os técnicos Taddei, Lucchi, Florini e Parenti dirigidos em pista por Mino Amorotti para a parte técnics e de outra nova aquisição para a parte desportiva, o engenheiro e jornalista Eraldo Sculati.


UMA TEMPORADA POSITIVA


Foi com um renovado grupo de pilotos que a Ferrari reencontrou os sucessos.

Deste grupo faziam parte o tri-campeão do mundo Juan Manuel Fangio, um piloto que juntava às suas excepcionais qualidades de velocista uma extraordinária sensibilidade mecânica. Com ele estavam dois italianos, Luigi Musso e Eugénio Castellotti e o inglês Peter Collins. De tempos a tempos, estes quatro eram reforçados
com Olivier Gendebien, Alfonso De Portago e Maurice Trintignant.

Os adversários eram a Maserati e duas equipas inglesas Connaught e Vanwal, esta última apoiada pela Vanderwell, uma fabricante de componentes.

A Ferrari levou a cabo, no decorrer de toda a época, um eficaz jogo de equipa fornecendo a Fangio o automóvel melhor colocado, sempre que se verificava qualquer problema com o seu.

Isto notou-se logo no primeiro grande prémio da época em que Fangio, correndo em casa em Buenos Aires, ao parar com problemas na bomba de gasolina do seu D50 imediatamente lhe foi entregue o carro de Luigi Musso que seguia com uma volta de
atraso. Fazendo uma daquelas corridas que só ele sabia fazer, recuperou o atraso e saiu vitorioso.

Em Monte Carlo, Fangio danificou o seu carro ao bater num muro mas, com o carro de Peter Collins, recuperou e quase apanhava Stirling Moss. Nesta prova, Musso foi vítima de um acidente que o impediu de participar nas três provas seguintes.

Na Bélgica, Fangio parou com uma avaria na transmissão, mas a Ferrari conquistou o primeiro e segundo lugar com Peter Collins e Paul Frère.

Peter Collins volta a ganhar o Grande Prémio de França, seguido de Castellotti, ficando Fangio em quarto devido a uma paragem nas boxes para reparar o manómetro de gasolina. Apesar deste percalço, Fangio derrubou o seu já anterior recorde da melhor volta à média de 206,3 km/h.

Seguidamente, o argentino vence os Grandes Prémios da Grã-Bretanha e da Alemanha e, em Monza, por ocasião do Grande Prémio de Itália, a temporada termina com muita controvérsia e comportamento pouco desportivo.

Collins liderava o campeonato e apenas precisava de um terceiro lugar para assegurar o título.

Moss lutou com os três Ferraris até ficar sem gasolina mas, quando se preparava para parar, foi empurrado por um companheiro de equipa até às boxes onde pôde reabastecer. Apesar dos protestos que a situação criou, Moss não foi desclassificado.

Peter Collins, que se encontrava em terceiro com o campeonato à vista e apesar de Enzo Ferrari lhe ter garantido que não necessitava de entregar o carro a Fangio, viu-se obrigado a, de acordo com a tradição da altura, entrega-lo ao piloto número um da equipa Fangio cujo carro se havia avariado.

Collins foi assim obrigado a desistir do título e Fangio em segundo, atrás de Moss, totalizou o número de pontos suficientes para ganhar o seu quarto mundial de pilotos.

Mais tarde, Collins diria a Bèrnard Cahier: “Ainda é muito cedo para ser campeão do mundial – aos 25 anos sou muito novo. Quero continuar a gozar a vida e a competição, e se fosse campeão teria todas as obrigações que vêm com o título. E de qualquer forma Fangio merece-o.


O GRANDE CHOQUE


Os acontecimentos deste campeonato e as más relações (verdadeiras ou presumidas) entre Ferrari e Fangio fizerem correr, na altura, rios de tinta.

Mas, analisando hoje a personalidade dos dois, pode-se compreender melhor o que sucedeu.

Fangio conhecia já a Ferrari pois havia conduzido os seus carros na Equipa Argentina, mas a sua participação de dois anos na Mercedes com os seus potentes meios e exemplar organização faziam-lhe sentir a diferença com o ambiente vivido em Maranello.

Por outro lado, os relatórios preparados por Amorotti e por Sculati enalteciam Fangio como o melhor piloto do mundo, mas lamentavam as suas constantes queixas sobre os problemas verificados com os carros.

Ferrari embora reconhecesse o excepcional talento de Fangio, este não lhe era particularmente simpático e não suportava as suas permanentes queixas.

Por outro lado, o facto de ser o primeiro piloto na história da Ferrari que não negociava pessoalmente o seu contrato também não ajudava nada as relações.

Assim, quando surgiu Marcello Giambertone a negociar as condições para 1957, foi fácil não encontrar acordo. Ferrari considerou excessivas as exigências de Fangio e este assinou pela Maserati porque esta lhe oferecia melhores condições financeiras
ou porque considerou aquele carro como o melhor para discutir o próximo campeonato.


AS OUTRAS CORRIDAS


O sucesso sorria também nas competições de carros de sport com prestigiosas vitórias que permitiram à Casa de Maranello obter mais um campeonato.

Nos 1 000 Quilómetros de Buenos Aires, a Ferrari apresentou-se com três carros: um quatro cilindros 857 S e dois tipo 410 S com motores V12.

Os dois carros de maior cilindrada desistiram por avaria da caixa e o 857 S pilotado por Olivier Gendebien e o americano Phill Hill, terminou em segundo lugar, depois de terem estado algum tempo retidos nas boxes devido a uma fuga de óleo.

Juan Manuel Fangio e Eugénio Castellotti impuseram-se ganhando a dura prova 12 Horas de Sebring num 860 Monza que derivava do 857 Monza, com algumas modificações do chassis que o tornava mais rápido e sobretudo mais fiável.

Por último, o mesmo Castellotti, considerado na altura o mais forte piloto italiano, correndo sozinho e debaixo de uma chuva insistente, venceu as memoráveis Mille Miglia.


AINDA INDIANAPOLIS


1956 foi o ano da segunda e última tentativa para a Ferrari inscrever o seu nome no livro de ouro das 500 Milhas de Indianapolis, numa operação promovida pela Bardhal, produtora americana de lubrificantes especiais.

Foi utilizado um chassis Kurtis-Kraft (o melhor na altura para pistas ovais como a de Indianapolis) com um motor Ferrari, sendo Nino Farina o piloto designado para conduzir o carro.

Foi escolhido um motor de seis cilindros em linha, mais propriamente o tipo 446 que tinha uma cilindrada de 4 412 cm3 que, para a configuração de Indianapolis, foi dotado de 3 carburadores Weber DCO A3, horizontais de corpo duplo, dupla ignição de magneto e cárter seco, com a potência de 377 cavalos.

Após os primeiros testes, foi decidido montar um cárter reforçado, trabalho que foi executado nas oficinas dos irmãos Maserati em Bolonha.

Terminado este trabalho, o carro foi embarcado para a América onde Farina fez todas as tentativas possíveis para se qualificar o que não conseguiu por uma série de razões mas especialmente por a chuva ter impedido o trabalho de vários dias.

O desapontamento do piloto, agora com 50 anos de idade, foi tão grande que decidiu ter sido o final da sua carreira, dizendo adeus ao mundo da competição.


NOVOS MODELOS


O desenvolvimento do 857 Monza deu origem à criação do 860 Monza que mostrava uma fiabilidade notável para as corridas de resistência e representava a maior cilindrada possível no bloco do motor de quatro cilindros original.

O esquema do quatro cilindros em linha foi seguido para outros dois novos modelos.

Um, a evolução do 500 Mondial e a que foi dado um nome legendário: Testa Rossa, um dos Ferraris mais famosos.

Não se sabe a quem o nome é atribuível nesta versão mais poderosa do 500 Mondial mas pensa-se que foi pelo facto de, para distinguir a cabeça de cilindros do novo modelo, ter sido dada uma lambuzadela de tinta vermelha, provavelmente o mesmo vermelho usado para a carroçaria. Esta solução simples mas eficaz foi usada
em todos os motores 500 da série MD TR.

O nome de Testa Rossa foi adoptado para o V12 de três litros de 1957 e depois, nos anos 80, para um modelo de estrada.

Outro modelo foi o quatro cilindros 625 LM, dotado de um motor de 2 500 cm3 de Fórmula 1. As letras são uma abreviatura de Le Mans e, com efeito, as três unidades produzidas deste modelo participaram na edição de 1956 da corrida francesa cujos
regulamentos tinham imposto o limite de dois litros e meio para os carros de sport, após o acidente de 1955.

Um dos carros classificou-se em terceiro lugar com Gendebien e Trintignant.

As quatro unidades do carro de sport com a sigla 410 S, eram “spiders” com motor V12 e 4 962 cm3 de cilindrada com a potência de 340 cavalos. Duas unidades tinham dupla ignição mas no resto eram praticamente iguais com suspensões dianteiras independentes e eixo De Dion traseiro.

Representaram um passo intermédio de espera para a nova série de automóveis com motor CV12 dos quais o primeiro era o 290 MM que se estreou vitoriosamente nas Mille Miglia conforme já nos havíamos referido atrás.

Foram apresentados também dois novos modelos, o primeiro o “berlineta” 250 GT com uma carroçaria magistral de Scaghlietti, um mito do “Cavallino”, pela elegância das suas linhas e pela sua prestação desportiva.

O segundo, o 410 Superamérica, com um grande motor de cinco litros assente num
chassis onde Pininfarina criou algumas das carroçarias mais famosas não só daquele
tempo mas de toda a história da Ferrari, entre as quais se destacava o maravilhoso
“coupé” “Superfast”.

A colaboração com Ferrari do grande projectista de Turim e do pequeno artesão de Modena nunca foi considerada uma concorrência mas, antes pelo contrário, criou uma recíproca consideração e estima entre estes dois artistas.


O MOTOR DINO

1956 marcou, igualmente, o início do desenvolvimento do V6 a 65º, conhecido como “Dino” nas muitas e diferentes versões que apareceram.

O motor tinha sido idealizado pelo próprio Dino que tinha discutido a definição arquitectónica com seu pai e com Jano, o responsável então pelo seu desenvolvimento.

O motor foi construído no ano seguinte e a primeira versão foi testada num carro F2.

Outra nota triste do ano foi a morte do piloto de testes Sérgio Sighinolfi num acidente entre San Venanzio e Maranello.

Para o substituir, foi chamado um jovem engenheiro da Alfa Romeo, Giotto Bizzarrini.


NOTA: Este “post” é o resumo livre e aumentado do capítulo respeitante ao ano de 1956 da obra “L’Opera e il Sogno”

FONTES: “L’Opera e il Sogno”, “Grand Prix – A história da Fórmula 1”, “Bandeira da Vitória – A história do Automobilismo” e “Ferrari – 60 ans de scuderia”






















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