sábado, 9 de agosto de 2014

O ESCRITÓRIO

A Federação Regional dos Sindicatos dos Empregados de Escritório do Sul e Ilhas Adjacentes publicava um boletim “O Escritório”, revista trimestral de divulgação técnica e formação profissional. Era uma publicação que se colocava a par das melhores revistas técnicas estrangeiras da especialidade, com uma tiragem de trinta e um mil exemplares, distribuída gratuitamente aos sócios dos 13 sindicatos de empregados de escritório federados e vendida ao público ao preço de 7$50 ou por assinatura anual de 4 números por 24$00, preço um pouco elevado para a altura. O seu subdirector, Dr. Isaías Gomes Gautier, fora o seu principal obreiro a ela dedicando todo o entusiasmo, dinamismo e espírito empreendedor que punha em tudo a que se dedicava. Foi seu primeiro chefe de redacção o meu amigo Nuno de Morais que, por motivos profissionais, teve de abandonar o lugar no fim do seu primeiro ano de existência. Fui então convidado para ocupar aquele lugar o que aceitei com a condição de o boletim ser exclusivamente técnico e se abstrair de quaisquer ligações governativas. Durante três anos, eu e o Dr. Gautier trabalhávamos, depois das horas de serviço, até bastante tarde na elaboração do boletim, trocando ideias sobre os artigos e a composição gráfica, opiniões por vezes diferentes mas sempre coincidentes quanto ao seu conteúdo. Após os serões de trabalho, terminávamos sempre numa cervejaria para comer qualquer coisa e beber umas canecas. Aí, as nossas discussões eram acaloradas pois o Gautier era admirador de Salazar e eu não era. Levava horas a tentar convencer-me das virtudes do regime salazarista e eu a contrariá-lo mostrando todo o mal da ditadura em que vivíamos. No inicio do quinto ano de existência do boletim e depois de três anos a trabalharmos em comum o Dr. Gautier, devido a ter ocupado um cargo directivo na TAP, foi obrigado, por indisponibilidade de tempo, a deixar o cargo que ali desempenhava. Foi substitui-lo alguém com quem pensei que iríamos trabalhar sem dificuldades até porque, nas várias conversas que havíamos tido anteriormente, se tinha sempre mostrado crítico ao regime. Puro engano meu. A tendência era para, sem deixar a divulgação técnica, passar a ser também um órgão de propaganda governamental recheado de palavras de gratidão ao ministro das corporações e previdência social. O nº. 17 de “O Escritório”, primeiro da nova direcção, já não me tinha como chefe de redacção embora, indevidamente, o meu nome ainda lá figurasse. Tinha pedido a demissão por não concordar com a inserção de uma frase de Salazar na contracapa da revista e dos louvores ao ministro. Irtonia do destino. Com um admirador de Salazar consegui trabalhar durante todo aquele tempo; com alguém que se dizia crítico ao regime não foi possível porque não passava de um oportunista. Mais tarde, falando com o Dr. Gautier sobre isto, ele disse-me: “Agora já te posso dizer. Quando informámos o ministério das corporações que ias ocupar aquele lugar, o ministério informou que não eras “persona grata” ao governo. Guardei a carta na gaveta e ocupaste o lugar”. Mais tarde fui também para a TAP e trabalhámos bastante juntos pois ele era o Presidente do Grupo Cultural e Desportivo da TAP. Todas as minhas iniciativas tiveram sempre a sua colaboração e não regateava meios para que elas se pudessem concretizar. Foi assim com o rali, com o grupo de teatro, com a equipa de tiro, com o concurso de pesca desportiva, com as festas de Natal para os funcionários da companhia. Sempre tive o seu apoio e colaboração. Nunca esqueço uma frase que me dizia sempre: “ Meu filho, se o que fizeres for perfeito e grande ninguém pergunta quanto custou. Se fizeres uma merda reclamam um tostão que seja. Apesar da sua admiração a Salazar nunca alinhou com o fascismo nem com os seus métodos. Foi um verdadeiro amigo que recordo com muita saudade.

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