sexta-feira, 1 de agosto de 2014

O FEZ DO QUEIPO DE LLANO

Devia ter os meus sete anos quando se deu o episódio que vou relatar. Meu Pai era gerente do Motor Palácio, estação de serviços propriedade do Engº. Abel Pessoa que ali tinha também o escritório de uma empresa que pretendia criar uma rede comercial de aviação. Era um edifício na Rua Actor Tasso, junto ao Marquês de Pombal, no local onde hoje se ergue um grande edifício. O Engº. Abel Pessoa, grande entusiasta da aviação tirara o brevet e já havia tido um avião (o Águia Branca I) que substituíra por outro maior (o Águia Branca II) com capacidade para cinco pessoas. O seu sonho nunca se veio a concretizar porque, num domingo, quando se dirigia à Figueira da Foz, num voo publicitário daquela ideia, o “Águia Branca II” caiu no mar, perto de Santa Cruz, tendo morrido o engenheiro e os quatro amigos que o acompanhavam. Mas, voltando à nossa história, eu, quando não tinha escola, costumava ir com o meu Pai e ali passava o dia, distraindo-me conforme podia e fazendo, certamente, muitas diabruras próprias da idade. Um dia, em que a estação de serviços se encontrava a abarrotar devido a um encontro que trouxera a Lisboa alguns espanhóis, vagueava por entre os automóveis sem saber o que fazer quando vejo, dentro de um dos carros, um fez vermelho com uma grande borla preta que chamou a minha atenção e me tentou para a asneira. Não tardou que ele não estivesse na minha cabeça mas, não satisfeito e porque aquilo não me satisfazia, não tardou que à falta de uma bola o fez a fosse substituir. E o brilhante chapéu ali andou de reboleta à conta de pontapé para aqui, pontapé para acolá até que meu Pai, vendo aquilo, me fez parar e vi o caso mal parado pois quase que, pela primeira vez e única, ia apanhando. Mas tudo não passou de uma grande “ralhuça” e de uma grande preocupação para meu Pai pois o fez estava cheio de nódoas de óleo. Quando chegou o proprietário do carro, o terrível general Gonzalo Queipo de Llano y Sierra conquistador de Sevilha na Guerra Civil onde granjeou o cognome de “O Carrasco de Sevilha” devido ao massacre que ali fez, meu Pai explicou-lhe tudo que se havia passado, pedindo-lhe imensa desculpa (as coisas que nós fazemos passar aos nossos Pais) e prontificou-se a pagar outro fez. Mas o general, afivelando a sua máscara simpática (todos os tiranos gostam de representar bondade), disse que não tinha importância nenhuma e que até achara graça, fez-me uma festa na cabeça e ainda por cima me premiou com uma grande fotografia que retirou do porta bagagem onde possuía muitas, autografou-a e ofereceu-me para que me lembrasse dele como meu amigo. E aí fui eu para casa, todo inchado com aquela porcaria mas que, naquela idade, tinha um valor incalculável, depositando-a no móvel da casa de jantar para que todos pudessem ver aquela preciosidade e a importância que eu tinha. No dia seguinte, manhã cedinho, mal me levantei corri para ver a minha “querida” fotografia. Oh decepção! Oh tragédia! Que grande desgosto! A fotografia tinha uma barba pintada, e uns óculos e, ainda por cima, os olhos furados. Meu irmão, já na altura antifascista, ao ir deitar-se e ao ver aquele fotografia não descansou enquanto não aliviou a sua reacção de ver tal figurão em nossa casa. Eu barafustei e chorei até me passar o desgosto de ver o estado em que se encontrava aquele meu “GRANDE” amigo. E assim terminou, felizmente, a minha relação com O MEU “AMIGO” FASCISTA

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