quarta-feira, 6 de agosto de 2014

O MEU AMIGO AFRICANO

A guerra terminara há pouco e o mundo vivia um ambiente de esfuziante alegria. Ao fim de seis tenebrosos anos, a longa noite terminara e, de novo, a paz incutia nos homens a esperança de que os crimes que envolveram a humanidade jamais se repetiriam. Vivia-se ainda no meio dos destroços e da miséria ocasionados pelos crimes originados por uma quadrilha de loucos cegos pela ambição de um monstro que quis dominar o mundo. Mas só o facto deste longo pesadelo ter terminado e o sonho que jamais se poderia repetir dava forças ao povo para, pleno de alegria, se entregar à reconstrução dos seus países. Em Portugal, continuávamos a viver em ditadura mas com a ilusão que o fascismo fora varrido da face da terra e não tardaria que também aqui a democracia chegasse. Também aqui vivíamos um sonho que só muito mais tarde se viria a concretizar. Para que o sonho se tornasse realidade despoletávamos várias iniciativas tendentes a juntar os jovens em jornadas de confraternização e esclarecimento. É uma dessas acções que estou recordando. Um encontro de jovens de Lisboa, Amadora e Queluz perto da Ponte de Carenque. Quando caminhávamos para o local do encontro, conversando e cantando, juntou-se a mim um jovem africano, cerca de seis anos mais velho, que entabulou conversa comigo. Irradiava simpatia com o seu dinamismo contagiante e grande sentido de humor. Em suma com uma enorme capacidade de criar amizades. Disse-me que chegara há pouco a Portugal e que estava a tirar o curso de agronomia. Durante a caminhada e o encontro falámos de mil e uma coisa, numa comunhão de ideias que muito nos aproximou. Depois deste dia, encontrámo-nos várias vezes até porque tínhamos uma amiga comum que vivera algum tempo em minha casa: a poetisa de S. Tomé Alda Espírito Santo. Sensibilizava-me sempre a simpatia, entusiasmo e alegria que punha nas conversas qualquer que fosse o assunto que versasse. Entretanto, deixei de estudar, empreguei-me e passei pela prisão. Ele terminara o seu curso e empregara-se. Não com muita assiduidade, encontrávamo-nos de vez em quando. Mas, em determinada altura, passei bastante tempo sem o ver e sem saber dele. Havia ido trabalhar para a Guiné. Passado tempo, um dia, estava casado há pouco, passeava com a minha mulher quando o revi na Praça D. Estefânia. Tinha vindo a Portugal. Ia bastante apressado mas parou, sempre com a mesma simpatia e alegria, para me falar. Apresentei-o a minha mulher mas ele pediu desculpa de não poder estar mais tempo a falar connosco pois tinha de se apresentar na PIDE e já ia atrasado. Nunca mais o vi, mas fui sabendo da sua actividade em prol da independência do seu país. Mais tarde, soube com tristeza que havia sido assassinado por membros do seu movimento num atentado dos muitos que não tinham resultado. A PIDE tinha colaborado em várias tentativas para o matarem que sempre haviam falhado. Mas, daquela vez, parece que inspirado por Séku Turé, que via nele o impeditivo de realizar o seu sonho de anexar a Guiné-Bissau para criar a “Grande Guiné”, o atentado resultara. Para o mundo, Amílcar Cabral o ideólogo e líder que conduziu a luta do seu povo à independência da Guiné e de Cabo Verde, será sempre o mais esclarecido dirigente africano da sua geração e o principal teórico da luta armada africana de libertação. Para mim será sempre aquele jovem poeta africano alegre e simpático que conheci num encontro de jovens, junto à Ribeira de Carenque.

2 comentários:

  1. Respostas
    1. Era de facto um Homem bom que me honrou com a sua amizade e que recordo sempre com muita admiração. Lutou pela independência da sua terra para a qual desejava um futuro bem melhor do que aquele que infelizmente tem.

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