terça-feira, 14 de julho de 2009

COMO CONHECI MARCEL MARCEAU




Depois de ter lembrado a Avó Palmira, vou falar de outro grande Artista que tive o prazer de conhecer: o grande mestre da arte do silêncio, Marcel Marceau que faleceu em Cahors, a 22 de Setembro de 2007, com a idade de 84 anos.

De nome Marcel Mangel nasceu, em Estrasburgo a 22 de Março de 1923 e pertencia a uma família judia francesa, cujo pai foi preso pela Gestapo e morreu no campo de concentração de Auschwitz.

Para evitar ser perseguido pelas suas origens judaicas, foi obrigado a fugir para Lille aos 16 anos adoptando, então, o apelido de Marceau.

Durante a guerra, juntou-se às Forças Francesas Livres do general de Gaulle e, dados os seus conhecimentos de inglês, foi oficial de ligação com o exército de general Patton.

Influenciado por Charles Chaplin.em 1946, matriculou-se na Escola de Arte Dramática de Charles Dullin, no Teatro Sarah Bernhardt. tendo como professores, além deste, o grande mestre Ettienne Decroux que ensinou também Jean-Louis Barrault..

A convite de Jean-Louis Barrault, outro monstro sagrado da cena francesa e que foi também um grande mimo, integrou esta companhia interpretando o papel de Arlequim na pantomima Baptiste, personagem que Barrault havia interpretado no filme “Les Enfants du Paradis”.

Os elogios da crítica, incentivaram Marceau a representar o seu primeiro mimodrama “Praxitele e o Peixe Dourado” no Teatro Sara Bernhardt que teve uma crítica positiva e unânime o que consolidou a carreira de Marceau como mimo.

Em 1947, inspirado em Charles Chaplin, Buster Keaton, os Irmãos Marx, Harry Langdom e outros, criou o Bip, personagem que o imortalizou e o acompanharia para o resto da sua vida artística, embora não tivesse ficado prisioneiro dela.

O Bip era um palhaço cara branca, com um chapéu alto de seda com uma flor espetada e um casaco surrado que enfrentava toda a espécie de peripécias, mostrando toda a fragilidade da vida.

Era uma personagem poética, como a própria flor espetada do chapéu simbolizava, que, com os seus “gags”, nos comovia e fazia sorrir.

Mas, Marcel Marceau notabilizou-se igualmente pela pantomima de estilo onde tinha números verdadeiramente excepcionais como, por exemplo, “andando contra o vento”, “no parque” onde nos mostrava toda a espécie de tipos e, destacando-se de todas, a extraordinária “juventude, maturidade, velhice e morte” em que, nuns escassos minutos, nos mostrava todas as fases da vida, o que levou um crítico a dizer que “faz em menos de dois minutos o que a maioria dos escritores não são capazes de fazer em volumes”.

Em 1949, ganha o Prémio Deburau (criado em memória de Jean-Gaspard Deburau, mestre de mímica do século XIX) pelo seu segundo mimodrama “Morte Antes do Amanhecer” e forma a Compagnie de Mime Marcel Marceau, única em qualquer parte do mundo naquela altura, apresentando-se nas principais salas de Paris: Theatre de Champs-Elysées, Theatre de la Renaissance e no Sarah Bernhardt.

Na sua companhia trabalhou e foi seu discípulo o actor português Luís de Lima que, depois, desdobrou a sua actividade pelo Brasil e por Portugal, onde dirigiu o CITAC de Coimbra e o Teatro dos Estudantes de Direito do Porto.

Tratava-se de um excelente actor e encenador, embora como homem, pessoalmente, tenha algumas razões de queixa que poderão ser assunto para outra mensagem.

Continuando a falar de Marcel Marceau, produziu mais de 15 mimodramas e espalhou a “arte do silêncio” por todo o mundo, iniciando nos Estados Unidos e depois no Canadá, América do Sul, África, Austrália, China, Japão, Sudoeste Asiático, Rússia e Europa.

A sua última digressão pelo mundo foi em 2004 aos Estados Unidos, em 2005 à Europa e à Austrália em 2006.

Em 1978, criou a sua própria escola em Paris: Ecole Internationale de Mimodrame Marcel Marceau e, em 1996 cria a Marceau Foundation para desenvolver o mime nos Estados Unidos.

O seu primeiro trabalho na televisão ganhou o cobiçado prémio Emmy, tornando-o ainda mais conhecido devido aos inúmeros trabalhos em várias estações.

Também mostrou toda a sua versatilidade em vários filmes entre os quais “First Class” em que actuou em 17 papeis diferentes.

Como autor, entre muitos, escreveu “Marcel Marceau Alphabet Book”, “Marcel Marceau Counting Book” e “La Ballade de Paris et du Monde” onde inclui a sua poesia e ilustrações. Em 2001 um livro de fotos para crianças “Bip in a Book” aparece nas livrarias dos Estados Unidos, França e Austrália.

Foram muitas as condecorações e honrarias com que reconheceram o seu grande talento.

- Oficial da Legião de Honra e Oficial Nacional da Ordem de Mérito, em França;

- Medaille Vermeil de la Ville de Paris;

- Membro eleito das Academias de Belas Artes de Berlim, de Munique e do Instituto de França;

- Doutor Honoris Causa da Universidade do Estado de Ohio, da Linfield College, das Universidades de Princeton e de Michigan;

- Em 1999 a cidade de Nova Iorque estabeleceu o dia 18 de Março como o Dia de Marcel Marceau;

- Serviu as Nações Unidas como Embaixador da Boa Vontade para o Envelhecimento.

Este é um pequeno resumo deste grande artista que não só nos palcos, como no cinema e na televisão espalhou um talento enorme e divulgou essa encantadora ARTE DO SILÊNCIO.

E como é que eu o conheci e tive a satisfação de falar com ele?

Na minha primeira visita a Paris, levava a ideia fixa de assistir ao seu espectáculo.

Assim que pude, adquiri o bilhete para o Theatre Ambigu onde ele estava a apresentar um espectáculo que tinha uma primeira parte composta por vários episódios do Bip e uma segunda em que actuava toda a sua companhia com o mimodrama Paris que ri – Paris que chora.

Mas, no dia do espectáculo meteu-se na minha cabeça a ideia que tinha de conhecer e falar com aquele grande actor que eu tanto admirava.

Pensava que, certamente, não seria possível consegui-lo, mas enchi-me de coragem, fui para o teatro uma hora antes, dirigi-me à porta de entrada dos artistas e disse ao porteiro que gostava de falar com o Sr. Marcel Marceau.

Este, depois de entrar em contacto com ele, disse-me:”O Sr. Marcel Marceau lamenta não o poder receber porque está a concentrar-se para o espectáculo, mas no final terá imenso prazer em estar consigo.

Fiquei radiante e fui assistir a um espectáculo maravilhoso que excedeu a minha expectativa e que, passados tantos anos, continua bem vivo na minha memória.

Ao assistir à primeira parte, preenchida pelo Bip, compreendi e verifiquei a veracidade da uma citação deste grande artista: “Um mágico transforma o visível em invisível. O mímico transforma o invisível em visível.

Quando mais tarde queria descrever a alguém o que tinha visto, dizia coisas como estas: …depois entrou uma mulher (que nunca existiu) e …disse isto e aquilo (não existia qualquer fala) e o Bip subiu o escadote e retirou o objecto pedido da última prateleira (não existia escadote nem prateleira).

No palco, despido de qualquer espécie de adereços, o Bip silencioso, ou seja a extraordinária arte de Marcel Marceau fazia, com os seus gestos e movimentos, ver e ouvir o que não existia.

O INVISÍVEL TORNAVA-SE VISÍVEL

Na segunda parte, também sem uma palavra, toda a companhia fazia-nos sentir o movimento frenético de Paris com todas as suas alegrias e tristezas.

No final do espectáculo, dirigi-me aos camarins e, durante largo tempo, tive uma agradável conversa com Marcel Marceau que, sem sombra de fadiga, quis saber tudo sobre o teatro em Portugal e sobre o seu discípulo Luís de Lima. Fez jus àquela sua citação: “Nunca faça um mímico falar. Ele nunca mais se cala”.

Passados dois anos veio a Portugal. Não pude vê-lo, mas um amigo meu que tinha ido comigo e com minha mulher ao camarim em Paris, foi ao espectáculo e, de novo, o visitou no camarim, pensando que ele já não se recordaria de nós, nem do que havíamos falado em Paris

Passados dois anos e a ver tanta e tanta gente, estava perfeitamente lembrado. Que extraordinário!

Em 2005, deu um espectáculo no Centro Cultural de Belém comemorativo dos seus oitenta anos.

Fui de propósito de Évora a Lisboa para assistir ao espectáculo.

Continuava impecável com a sua Arte cada vez mais perfeita se é que isso era possível.

No final, tive um desejo enorme de, novamente, ir aos camarins e falar de novo com ele. Minha mulher insistia para que fossemos, mas, desta vez, não tive coragem pois já não tinha o entusiasmo dos anos cinquenta.

Devia estar muito fatigado e, certamente, agora já não se lembrava de mim.


1 comentário:

  1. MM era poesia em estado puro.
    Só tive oportunidade de o ver na TV, ainda miúdo (quando a TV era RTP e ainda havia directores de programas com 'coragem' para passar este tipo de coisas...), mas imagino o quão deslumbrante seria um espectáculo dele ao vivo.

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