quarta-feira, 22 de julho de 2009

NICHA...MECÂNICO



Já contei esta "estória" noutro forum, mas porque se trata de um episódio engraçado, certamente desconhecido de alguns dos foristas e porque é seu protagonista um grande piloto que muito admiro e que dedicou a Angola muito carinho, não resisto à tentação de recontá-la aqui.

As "6 Horas" de 1972 decorriam num ambiente de grande animação com os Lolas T290 nºs. 10 e 9, da Ecurie Bonnier, a revezarem-se no comando.

Ao fim de hora e meia de prova, estes encostaram para reabastecimento e troca de pilotos e o nº. 9, mais rápido a sair, arranca com Nicha Cabral a comandar a prova, durante cerca de 20 voltas, com grande entusiasmo do público para quem ele era o piloto preferido.

Na terceira hora de prova, nova mudança de pilotos e Vic Elford sai com uma vantagem de quatro voltas sobre Claude Swietlick.

Estavam decorridas cerca de quatro horas, quando o Lola nº. 9, que havia cumprido a sua 131ª. volta, deixou de aparecer.

Não passou muito tempo e fui alertado pelos comissários de pista que o carro tinha avariado e estava a ser reparado por Nicha Cabral sob a orientação dos mecânicos.

Foi então que indagámos o que se estava a passar. Claude Swietlick quando seguia na segunda posição, já perto das boxes, viu um dos triângulos da suspensão traseira ceder e abandonou o carro na pista para desistir.

Mas Nicha não se conformou e seguindo as instruções dos mecânicos procedeu à substituição do triângulo, numa operação que levou cerca de uma hora.

E tudo isto se passou sem a intervenção do "famigerado" safety car que, na altura, felizmente ainda não tinha sido inventado, bastando a intervenção de um comissário com a sua bandeira amarela que, como se pode ver na fotografia, lá estava a avisar os outros concorrentes.

A minha preocupação foi indagar dos comissários se os mecânicos estavam a intervir na reparação, mas esclareceram-me que eles se limitavam a dar indicações ao Nicha de como devia proceder, sem tocarem no carro. Chamei-lhes a atenção para se manterem muito atentos pois os mecânicos não podiam dar qualquer ajuda que não fosse a que tinham prestado até à altura.

Concluida a reparação, Nicha levou o carro para as boxes para o entregar, de novo, a Swietlick, mas este recusou-se a continuar a prova num carro que não lhe merecia confiança pois não fora reparado pelos mecânicos e, assim, foi Nicha que a concluiu, terminando em 5º. lugar, debaixo do delírio de uma multidão que muito o admirava como piloto e ainda mais se entusiasmou com o facto de ele ter feito de mecânico para que o carro não abandonasse a corrida.

Se não fosse essa sua decisão, o Lola nº. 9, com as 131 voltas que tinha cumprido, não teria passado da 13ª. posição e isso se, aquela percentagem de voltas lhe desse para ficar classificado.

A convite do vencedor Carlos Santos, perante a alegria da assistência, Nicha acompanhou-o na volta de honra.

Passados dias, ao ver a fotografia que ilustra este artigo, verifiquei que havia cometido um grande erro e que deveria ter desclassificado aquele carro, pois o regulamento da prova permitia reparações fora das "boxes" mas apenas com ferramenta transportada a bordo e, ali, fora usado um macaco levado pelos mecânicos.

E, eu que sempre tentei ser rigoroso no cumprimento dos regulamentos e que não gostava de errar, desta vez senti uma grande alegria por ter cometido este erro.

Ninguém reclamara, o público delirou e teria sido não uma injustiça mas uma grande desumanidade desclassificar o Nicha depois de tanto esforço e entusiasmo numa entrega total para conseguir terminar a corrida.

Mas, voltemos ao dia da prova e ao episódio passado na distribuição dos prémios.

Chegada a hora de iniciar a cerimónia, verifiquei que os vencedores da prova e os componentes da "Ecurie Bonnier" não estavam presentes.

Como todos os horários haviam sido cumpridos, entendi que também aquele o seria e dei início à cerimónia com a intervenção dos vários oradores e eu prolongando a minha um pouco, na esperança de ver aparecer os faltosos.

Mas... nada!

Ainda pensei começar a distribuição pelos menos classificados para ver se, entretanto apareciam, mas sempre entendi, certo ou errado, que se deveria começar pelos melhores classificados.

Chamei os primeiros... não estavam; chamei os segundos... idem; quando cheguei ao quinto...aspas.

Estava a cerimónia a chegar ao fim, quando chegam os ausentes todos muito bem dispostos. Eu é que estava pior que estragado.

Georges Jost, director da Ecurie, com toda a sua diplomacia mostrava-se incomodadíssimo com o atraso, explicando que este se verificara porque o haviam informado que as distribuições nunca começavam a horas.

Eu, que estava irritadíssimo com o sucedido, disse-lhes que poderiam procurar , entre todas as taças, aquelas que lhes pertenciam e que os cheques dos prémios pecuniários os poderiam levantar, no dia seguinte, na secretaria da prova,

Naquele momento, o Nicha chegou ao pé de mim e, com uma voz cativante, disse-me: "Lacerda, não te merece um pouco de consideração eu ter sido mecânico na tua prova?"

Olhei para ele, sorri e... (eu que era tão intransigente) fiz uma nova distribuição de prémios dedicada aos faltosos à primeira chamada.

Ao contar esta pequena "estória" presto a minha singela homenagem ao Nicha por todas as provas de amizade recebidas e por todo o interesse sempre demonstrado pelas "6 Horas".

Contribuído por Armando de Lacerda, Quarta, 1 de Agosto às 11:56

1 comentário:

  1. :-)

    esta é mais uma história com h, porque é mesmo verdade indesmentível!

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