segunda-feira, 5 de setembro de 2016

VOANDO NO MUNDO DO TEATRO I

Há dias, quando me despedi de Ruy de Carvalho, no seu camarim, recordei toda uma vida ligada ao mundo do teatro que tanto amo e onde tantas pessoas conheci e tão bons momentos vivi. De todos, poucos restam. Talvez apenas a Adelaide João e o Ruy, o único com o qual tenho mantido algum contacto e nos encontramos de vez em quando. Como tudo passou tão depressa e que saudades. Não sei se esta paixão nasceu por desde muito pequeno meus pais me levarem ao teatro (bons tempos que eram os pais que decidiam e não qualquer legislação determinando idades) ou por ter tido os meus bisavós Carolina Falco, César de Lacerda e Sousa Bastos que levaram uma vida dedicada ao teatro. Talvez tenham sido ambos os motivos. Voando no tempo e recordando tudo e todos sou transportado para os meus quinze anos, na cidade de Évora onde se deu o meu encontro com uma companhia itinerante que havia chegado aquela cidade para dar uma temporada de teatro. Era a Companhia Rafael de Oliveira que tão bom serviço prestou ao teatro levando-o a locais onde o mesmo nunca tinha chegado e despertado o amor daquelas pessoas por tão bela arte. Apesar de acusada por muitos intelectualóides de representar grandes dramalhões, esta companhia despertava nas pessoas o gosto por a arte da representação e, como dizia o Rogério Paulo, se este levava um espectáculo a Azeitão e tinha sala vazia e Rafael de Oliveira as enchia, era ele que estava certo. Estava de férias e aquele grupo passou a ser o meu mundo pois, além de excelentes actores, eram pessoas encantadoras. À noite assistia a todos os espectáculos e durante o dia assistia aos ensaios ou estava com eles no Café Arcada onde a presença de senhoras causava alguma admiração pois ainda não era hábito a frequência do sexo feminino. Foi naquele teatro que pisei pela primeira vez o palco onde, integrando a figuração, fiz um dos apóstolos na ceia da peça “Jesus Nazareno”. Rafael de Oliveira, actor, encenador e dramaturgo, era o empresário da Companhia e marido da actriz Ema de Oliveira. Era um simpático casal com o qual convivi, embora pouco, e que, depois desta estadia em Évora, não voltei a encontrar. Fernando de Oliveira, seu filho, era um dos galãs e, mais tarde empresário. Excelente actor, convivi bastante com ele, mais tarde, quando esteve com a sua companhia em Nova Lisboa. Não esqueço a última vez que estive com ele, pois visitando-o, no camarim, antes do espectáculo que ia ver no Ádoque, desabafou comigo, chorando, que lhe iam tirar o teatro. Estava de rastos mas, como bom actor que era, representou impecavelmente. No final, tentei voltar aos camarins para lhe dar a minha solidariedade, mas a porta dos mesmos estava fechada ouvindo-se, cá fora, os gritos da discussão que se travava. Esperei algum tempo até que aquilo acabasse, mas a discussão não tinha fim pelo que desisti e nunca mais vi o Fernando. Embora gostasse muito das revistas que o Ádoque estava a levar à cena, não mais voltei aquele teatro. Afonso de Matos, muito bom actor, era o director artístico da Companhia a quem se ficou a dever a renovação e diversificação do reportório. Estava casado com a actriz Mila Graça, mãe de Tony de Matos. O Tony de Matos que durante algum tempo foi o ponto da ompanhia, já ali não estava naquela altura mas conheci-o numa das vezes em que visitara os pais. Mais tarde convivi com ele porque trabalhava, como meu irmão, na Comissão Reguladora das Moagens de Ramas. A última vez que estive com ele foi em Nova Lisboa quando ali se deslocou para apresentar o seu filme “A Derrapagem”. Após a apresentação, fomos beber um copo a uma casa de fados e foi um delírio das cantadeiras quando viram a surpresa daquela aparição. Eduardo de Matos, irmão de Afonso, actor e encenador foi director de cena da Companhia após a retirada de seu irmão. Era possuidor de toda a técnica da arte do palco pois havia passado por todas as principais companhias de Lisboa. Durante muito tempo, a Avó Palmira fez dele o seu galã que a acompanhou em digressões ao Brasil, Angola e Ilhas. Deixou de representar em 1960 devido à cegueira que o vitimou. Quando o conheci já via muito mal e então pedia-me que o levasse ao cinema e lhe lesse as legendas. Uma coisa que sempre me irritou foi alguém a ler as legendas em voz alta, mas não tinha a coragem de lhe negar este pedido e, então, fazia aquilo que tanto me irritava nos outros. Carlos e Geny Frias eram um casal de actores que representavam os principais papeis da Companhia. Tinham dois filhos, o Fernando e a Lizete. O Fernando, além de actor era o cenógrafo da empresa. A Lizete era a ingénua e um dos seus principais elementos pois a Mãe transmitira-lhe alguns papeis da sua juventude. Sendo de todos a que mais próxima estava da minha idade (apenas pouco mais de um ano nos separava), era com ela que mais conversava. Era com ela, a Mão e sua Tia Mila Graça que passava as tardes conversando, no Café Arcada. Voltei a encontrar a Lizete em Luanda integrada no elenco do Teatro Experimental de Cascais que ali se encontrava em digressão. Estava hospedada com o marido, Alberto Vilar, no mesmo hotel onde eu estava. Almoçámos os três recordando os tempos de Évora. D. Geny e seu filho Fernando encontrei-os, de novo, em 1976 em Évora, integrados na Cooperativa de Comediantes Rafael de Oliveira que levou aquela cidade “A Mãe” de Berthold Brecht. Ainda me ri bastante com ela pois estava confusa por integrar uma cooperativa e pelas ideias que se viviam na altura. Não estava contra, nem a favor, apenas muito confusa. Era uma simpática Senhora. Todos estes actores, que conheci na altura, já nos deixaram mas tiveram um papel muito importante para o teatro português. Com muita admiração e simpatia recordo todos os momentos que me proporcionaram, agradecendo toda a amizade que me deram e o contributo para este amor que nutro pelo teatro. Como este texto já vai longo vou terminar aqui, mas continuarei a voar através de todas estas recordações pelo que vou voltar.

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