sábado, 24 de setembro de 2016

VOANDO NO MUNDO DO TEATRO VI

No século XV, companhias itinerantes de estrutura familiar, compostas por cerca de doze pessoas, viajam pelas cidades de Itália montando palcos temporários nas suas ruas ou praças principais para aí representarem uma forma de teatro popular. A precariedade dos meios de transporte determinava a simplicidade e o mínimo de adereços e cenários pelo que o actor surge como o elemento mais importante neste tipo de peças, levando a teatralidade ao mais elevado expoente. As encenações baseavam-se num roteiro muito simples de esquemas de amor, velhice, adultério e ciúme em que os actores, cada um especializado numa personagem típica, improvisavam diálogos irónicos e humorístico em que ridicularizavam nobres, prelados, militares, banqueiros e negociantes que, acompanhados dos recursos à música, à dança, entretinham um vasto e fiel público. Tal como na Inglaterra daquela época (Shakespeare), por proibição legal, vestiam os homens com roupas de mulher e perucas, também estas companhias, em Itália, muitas vezes o faziam mas com propósitos humorísticos. Assim surge a “commedia dell’arte” que tão importante papel veio a desempenhar na história do teatro. Desde o início, com as suas personagens características do Arlequim, do Briguela, do Pantalão, da Colombina, do Doutor e de tantas outras, atraiu também as classes sociais mais elevadas conseguindo levar as suas peças para o palácio fascinando audiências nobres e, com o apoio obtido, atravessaram fronteiras e viajaram por toda a Europa deixando a sua marca em França, Espanha, Inglaterra, entre outros. Porém, no século XVIII, a “commedia dell’arte” entra em decadência e, apesar de alguns autores tentarem a recuperação com textos baseados naquele estilo de teatro, não tardou a desaparecer a espontaneidade e improvisação que a caracterizavam. Em meados do século XVIII, Carlo Goldoni, dramaturgo veneziano, revitaliza as fórmulas da "commedia dell’arte" com textos escritos e mais realistas, tornando as suas peças conhecidas em todo o mundo. Também Bem Jonson em Inglaterra, Molière e Marivaux em França, e Carlo Gozzi em Itália se vão inspirar nas personagens típicas da "commedia dell’arte". Foi em homenagem a esse grande período da história do teatro e a esse grande dramaturgo que escolhemos, para estreia do Proscénium, a peça “Arlequim Servidor de Dois Amos” de Carlo Goldoni. Foi uma escolha um pouco arrojada dado o desconhecimento total que todos nós tínhamos de ballet e mímica tão necessários para a interpretação destas personagens. Mas fruto de muito trabalho, entusiasmo e dedicação, adicionados aos profundos ensinamentos de Mestre Pedro Lemos, conseguimos um espectáculo muito rico e representado com muita dignidade. Para cenário que permitisse as constantes mudanças de cena optámos por uma solução engenhosa e bem ao espírito da “commedia dell’arte”: quatro prismas triangulares assentes em rodas, dois de cada lado do palco e três cenários de papel para fundo. Em cada mudança de cena, os actores que não estavam na altura a representar, entravam, com passos de ballet, rodavam os prismas e alteravam o pano de fundo. No elenco deste espectáculo, a mim coube-me o Briguela, personagem agressiva, dissimulada e egoísta própria de um trapaceiro de pouca moral, que tentei fazer o melhor que podia e sabia. O espectáculo correu bastante bem apesar do percalço que teve motivado pela triste atitude de Luís de Lima, conforme já relatámos anteriormente. Contudo, por aquele motivo, nunca mais foi representada por os actores que a fizeram confundirem as duas traduções. Durante muito tempo brincávamos com uma adivinha que criámos. Dizíamos uma frase da peça e perguntávamos a que tradução se referia: do Pedro Lemos ou do Luís de Lima. Raramente se acertava. Só outros actores que não tivessem passado por aquilo que passámos, nos últimos ensaios, a poderiam representar. No entanto, não deixou de ser um momento de teatro de que todos que nele participaram muito se podem orgulhar.

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