segunda-feira, 5 de setembro de 2016

VOANDO NO MUNDO DO TEATRO II

Continuando o meu voo, recordo o período em que, após o fim das férias, regresso a Lisboa para o meu curso. A guerra terminara, começam a estruturar-se as oposições à ditadura salazarista e eu empenho-me nessa movimentação até à minha prisão no fim da campanha do General Norton de Matos à presidência da república. Do teatro apenas a assistência a algumas peças, sempre que o tempo e as finanças o permitia e de que destaco dois grandes momentos: a estreia de Maria Barroso no D. Maria com “Benilde ou a Virgem-Mãe” e “A Casa de Bernarda Alba” de Federico Garcia Lorca. Tive ainda presente no D. Maria, na peça de Júlio Dantas “Outono em Flor”, não pela peça mas porque tínhamos organizado uma manifestação a Norton de Matos, com a sua presença numa frisa. No primeiro intervalo, rebentaram as palmas e os vivas à república e à democracia. Após a prisão, ingressei no Coro de Fernando Lopes Graça que ensaiava no Grupo Dramático Lisbonense e actuava em várias colectividades. Aí conheci duas grandes Senhoras, grandes actrizes e declamadoras que acompanhavam sempre os espectáculos com uma parte de poesia dita ora por uma ora pela outra: MARIA BARROSO e MANUELA PORTO. Esta grande actriz organizara também, naquela colectividade, um grupo cénico com elementos provenientes do coro levando Camilo Castelo Branco, Gil Vicente, Pirandello e Tchekov às várias colectividades onde actuava connosco, substituindo a parte de poesia. Quando ingressei no Coro, o grupo cénico já iniciara a sua actividade em 1948 e tinha todo o elenco escolhido mas eu, com o meu entusiasmo, passei a assistir aos ensaios sempre que me era possível e Manuela Porto prometeu que me daria um papel num próxima peça que levasse à cena. Infelizmente, esta promessa não foi cumprida pois Manuela Porto suicidou-se. A minha actuação limitou-se a, na festa de homenagem que lhe foi feita, participar na figuração como um dos membros da delegação do “Aniversário do Banco” de Tchekov. O outro membro da delegação era Rogério Paulo, na altura, já com o nome firmado no teatro profissional mas que não quis deixar de estar presente nesta homenagem. Entretanto, o Coro passou para a Academia dos Amadores de Música e aí participei numa série de reuniões com o Professor Fernando Amado para a constituição de um grupo que continuasse a obra de Manuela Porto, mas as ideias trocadas não me entusiasmaram. Mas, o grupo foi formado e apresentou apenas dois espectáculos, um em 1946 e outro em 1947. Ressurge mais tarde, passado cerca de 20 anos, 1963, numa carvoaria adaptada a teatro de bolso, onde actuou durante bastante tempo com muito êxito como Teatro de Bolso de Lisboa – Casa da Comédia e de lá nasceram figuras predominantes do nosso teatro tais como, entre muitos outros, Glória de Matos, Fernanda Lapa, Manuela de Freitas, Maria do Céu Guerra e Santos Manuel. Um período bastante activo da minha vida e a ida para Angola, levou a que só visse espectáculos da Casa da Comédia, que tão importante papel teve no teatro português, em 1975 já sob a direcção de Filipe La Féria. Com o casamento, o entusiasmo pelo teatro passou para segundo plano porque ia surgindo a coisa mais importante da minha vida: os meus filhos. Mas, a paixão encontrava-se apenas latente e há-de voltar, assim como voltarão estas croniquetas que, possivelmente, apenas a mim dizem qualquer coisa. (A fotografia pertence ao Centro Virtual Camões)

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