segunda-feira, 19 de setembro de 2016

VOANDO NO MUNDO DO TEATRO V

Em interpretação, o actor não pode deixar-se dominar pela personagem. Durante o estudo do papel, esta deve ser encarnada uma vez pelo actor que, a partir dali, a deve representar imitando aquilo que sentiu, isto é, dominando a personagem sem que nunca esta o domine o que, por vezes, sucede. No “Canto da Cotovia” de Jean Anouilh, na cena em que o anjo aparece a Joana d'Arc, a grande actriz Eunice Muñoz deixava-se dominar pela personagem e tinha uma momentânea falha de memória. No “Breve Sumário da História de Deus”, eu protagonizava Jesus Cristo, um papel de que muito gostei e penso que o desempenhei bastante bem, embora me tivesse sucedido exactamente o mesmo todas as vezes, com excepção da última, em que fiz esta personagem. Sucedeu que, apenas no ensaio geral, fiz a entrada em cena com iluminação e som e foi um momento tão lindo que me surpreendeu e permitiu que a personagem me dominasse o originasse que, em determinado momento, tivesse uma “branca” que, felizmente, soube dominar sem que ninguém reparasse. Dos vários elogios que recebi teve especial importância o de minha mulher que considerou que “ia muito bem”. Este foi, de facto, o mais importante porque nas várias personagens que interpretei e que mereceram elogios foram sempre criticados por ela que me considerava um “canastrão”. Não sei se assim me considerava ou se o fazia por não gostar que fizesse teatro e, assim, me desimaginar. De todos os elogios, há um que, ainda hoje passado tantos anos, me faz sorrir. O responsável pelo Anahory-Guarda Roupa era uma pessoa um pouco exagerada e encontrava-se no palco do Teatro D. Maria II, quando da exibição da peça, pois tinha acompanhado o vestuário. Terminado o espectáculo e quando saí do palco, correu para mim, de braços abertos, dizendo: “Ai Senhor Lacerda, o senhor foi maravilhoso e eu tive de fazer toda a força possível para não irromper pelo palco e ajoelhar a seus pés”. Desatámos todos a rir à gargalhada. Na última vez que representei este auto, no final, Pedro Lemos elogiou-nos dizendo que nenhum tinha sido inferior aos actores do Teatro Nacional que o haviam feito e um de nós tinha sido mesmo superior. Não disse quem era, mas D. Meniche Lopes, sua esposa, disse-me que ele se referia a mim. Foi um papel que, apesar da sua pouca duração, me deu muito estudo e que, não sei porquê, me deixava bastante fatigado depois de o interpretar. Mas adorei fazê-lo. Com que saudade eu recordo esses tempos e aquele maravilhoso casal e grandes amigos que eram Meniche Lopes e Pedo Lemos.

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